domingo, dezembro 30, 2007

A Luz e os Quatro Sentidos

De repente Maulin se apegou à luz. Não gritem "glória a Deus", cristãos. Nem exultem, muçulmanos, com seus escandalosos "Alá é grande", e muito menos vocês budistas, com sua empolgação recatada. Não se trata de iluminação religiosa. Maulin fixou sua face na direção daquela lâmpada de 60wtz que brilhava discretamente acima dos sofás. Agnes, amiga de tempos, iniciou seu repertório de censuras:

- Céus Maulin, você vai torcer o pescoço se não parar com isso!

Silêncio. Sem falar, sem ouvir, sem tocar, sem cheirar. Apenas olhar. O incrível é que ele não apenas olhava, mas se rendia a um estranho ritual silencioso, intimista e isolado. Totalmente boquiaberto. Ele em sua 'brilhante' catarse, enquanto ela se afogava em extática raiva. Acostumada a ter atenção. De repente essa maldita luz, essa eletricidade incandescente e nada dele acordar da hipnose.

- Thomas Edison, eu te esfaquearia por ter inventado essa porra! Eu estupraria sua alma, seu desgraçado!

Agnes não se continha e caminhava pela sala, com a cabeça girando, puxando metade dos cabelos pra cima e coçando freneticamente a outra metade. Maulin permanecia com os pés firmes, postura vacilante, e algumas gotas de suor desfilavam por sua fronte. Agnes se aproximou com um salto desajeitado e com a boca quase engolindo a orelha de abano do desligado amigo. Com dedo em riste, vociferou:

- Diabos! Você está aí há pelo menos 40 minutos! Vamos lá bonitão, quero ver se você é tão determinado!

Saiu correndo para o quarto e trouxe um livro de Fante. Abriu-o na metade e com rosto desfigurado pela raiva e provocação ameaçou rasgar o livro:

- Vamos lá sua mariposa filha da puta! É o Pergunte ao Pó! Vou rasgar seu livro preferido! Eu vou rasgar! Eu vou rasgar!

Maulin continuava inerte em sua misteriosa atração. Agnes tentou rasgar o livro pela metade, mas sua força limitada lhe convenceu que o livro devia ser rasgado minuciosamente. Página por página, a epopéia de Arturo Bandini ganhava o chão. Maulin permaneceu sem nenhum movimento. Apenas reconheceu auditivamente o som do papel rasgando. Em sua mente, ele se inquietou um pouco. Mas não podia se mexer. A audição:

- Que porra de papel rasgando é esse? - pensava Maulin

Enquanto isso, Agnes injuriada pela omissão de sentimentos por parte de seu amigo, correu atrás da caixa de charutos Montecristo, número 2, que Maulin havia comprado para acompanhá-lo em seus momentos de solidão na sacada do apartamento, junto à noite reveladora de mistérios.

- Cadê, cadê? Agora ele me paga, maldito ignora... achei!

Agnes voltava saltitante, triunfante. Agora ele despertaria dessa farsa idiota.

- Hey cabrón, le gusta fumar puros? E se eu colocar esse porcaria aqui dentro?

E começou uma cena no mínimo curiosa: esfregava diversos charutos em sua vagina, mas esfregava com afinco, quase uma "masturbação cubana". Ela cortava os charutos e os acendia, baforava um pouco e os arremessava contra a janela e contra as paredes. Uma camada azulada de fumaça se instalava abaixo do teto, enquanto Agnes era toda euforia, com dois charutos na boca, uns cinco na calcinha e outros dois esmagados pelos seus pés tamanho 37. Ela era uma mulher alta, cabelos ondulados e castanhos, assim como eram seus olhos. 37 anos, assim como era o tamanho do pé. A cara era de um desgaste descomunal, graças a anos de frustrações e bebedeiras como escapatória. Havia largado as drogas, mas todas as substâncias químicas haviam comprometido seu modo de pensar e reagir a certos imprevistos da vida. Ela estava rumando para a plataforma da loucura e Maulin era o único ser que se locomovia na Terra que podia suportá-la, dando moradia à ela.

- Satisfeito? Montecristos are burning! Tcharararan!

Dançava indiferente, inconscientemente ao som de sua adaptação para "London's Burning" do Clash.

As narinas de Maulin detectaram o doce aroma do fumo cubano sendo consumido sem dó, sem limites. O olfato:

- Que porra de charuto é esse queimando? - pensava Maulin

Ele continuava sem se mexer, incapaz, confuso por não saber, por não poder olhar o que estava acontecendo. Apenas luz, aquela deliciosa e atraente luz.

Agnes não se dava por vencida. Cachoeiras de suor lhe desciam pelos cabelos, inundando sua camisola rosada de cetim adornada com pequenas flores opacas e coloridas. Sentou numa cadeira, tentou se controlar, mas seus pés mexiam sem parar, e isso a intrigou ainda mais. Ao invés de pensar em se controlar, em entender o motivo da misteriosa atração, Agnes pensava em algo valioso que ela pudesse destruir, algo que o tirasse daquela situação bizarra.

Inesperadamente, Agnes pulou excitada, correndo pelo corredor que levava aos quartos. Enquanto corria a pequena distância, deixava os dedos das mãos riscarem as paredes. Pulou na cama e a atravessou chegando ao outro lado do quarto, onde no canto, perto do banheiro, uma pequena adega de vinhos permanecia a guardiã do sabor perfeito e original. Adega linda, climatizada, temperatura ideal. Deus salve a tecnologia! Mas Agnes não se importava com isso. Bebia vinho barato, com sabor parecido com o do vinagre. Bebida maldita que nos transporta à pior das ressacas. Mas Agnes não queria classe. Queria beber. E nunca deu bola para a pequena adega. Maulin sempre se gabava de ter comprado um vinho francês chamado Romanée- Conti, safra de 1992 e que custou a bagatela de mil e duzentos reais.

- Maulin, Maulin, essa merda de vinho vai ser um ótimo acompanhamento pra minha refeição!

Saiu correndo como uma bruxa malévola, enchendo a casa com sua gargalhada sarcástica. Em segundos estava na cozinha. Abriu um dos armários e alcançou um miojo de frango caipira. Acendeu uma das bocas do fogão e colocou nela uma panela com água. Enquanto a água fervia, Agnes dava pequenas risadas, coçando a todo momento sua cabeça. A água demorava pra ferver, então ela decidiu agilizar o "jantar". Procurou nas gavetas um saca-rolhas e o encontrou na segunda gaveta. Deixou o pequeno instrumento ao lado da garrafa de vinho. Foi até a porta da cozinha, olhou de relance e viu Maulin, ainda parado, como mosquitinhos na lâmpada em dia de calor. A água começou a exibir as primeiras bolhas e Agnes enfurecida pela visão que acabara de ter, lançou a massa crua na água. Quatro minutos depois e a refeição estava pronta. Ligou o som da sala e o disco que estava no deck era o novo do Wilco, Sky Blue Sky. Apertou o play e viu que a função "random" estava ativada. A primeira música a tocar foi "Hate it Here". Voltou a cozinha e pegou o prato de miojo e a garrafa de vinho. Minuciosamente inseriu a ponta saca-rolhas na rolha da garrafa e lentamente girou a chave. Prendeu a garrafa entre suas coxas flácidas e puxou com força o instrumento. Não abria. Na quarta tentativa, ouviu o barulho de vácuo sair e festejou com uma talagada generosa. Ela começou a rir, enquanto olhava Maulin parado ao lado do sofá, boquiaberto e paralisado. Seu rosto - pensou Agnes - é tão lindo, jovial, com uma camada de barba que dá uma certa masculinidade. Mas é um idiota - continuou Agnes - parado, olhando para a lâmpada. Ela chupava os fios de macarrão, fazendo um ruído terrível, e o caldo respingava na garrafa, na mesa, no chão.

- Meu bem, que vinho maravilhoso! E eu só bebendo São Tomé! Preciso de um trabalho, pra comprar coisas desse tipo!

Bebia em meio à gargalhadas, que a faziam engasgar. Logo se recuperava com tosses e continuava a cena, cheia de luxúria no olhar. A garrafa chegava à metade e no som, o Wilco continuava a tocar, agora com a música 'Shake it Off'. O álcool ludibriava seus sentidos e a voz e guitarra de Jeff Tweedy permeavam sua mente. Logo se pôs em pé e iniciou uma dança sensual, em volta do corpo estático de Maulin. Imitava uma guitarra com a garrafa quase vazia. Se emaranhava nos braços do amigo, esperando um afago, um carinho. Mas era em vão. Ela estava completamente bêbada, uma deplorável figura coberta de suor. Buscou algumas velas e as acendeu em volta dos pés do pobre coitado.

- Agora você parece uma imagem de macumba! Hahahaha! Tem até vela em volta, Má! Não é demais?

Dançava de forma delirante pela sala, gritando incontáveis "saravás". E dava mais risadas.

- Querida estátua, brindarei sua doce imagem com o último gole. Ainda bem que você está com esse bocão aberto! Hahahahaha! Se não eu ía abrir na base da porrada! Ouviu? Na base da por-ra-daaa! Hahahahaha!

Caiu no chão ao tropeçar em si mesma. Levantou rindo e amaldiçoando as próprias pernas. Alcançou a garrafa e despejou o doce e valioso líquido na boca de Maulin. Ele não apresentava reação aparente. Mas um comichão em sua bochecha o fez balançar o pé, que não foi percebido pela sua ébria amiga. O paladar:

- Que porra de vinho é esse na minha boca? - pensava Maulin

Agnes se levantou aos trancos e barrancos, com passos vacilantes. Ergueu os punhos para o céu e soltou algumas blasfêmias. Colocou a mão direita nos olhos enquanto a mão esquerda repousava no quadril. Nada parecia funcionar. Maulin era irredutível em sua atração mágica. O Wilco continuava tocando no som, na bucólica 'You Are my Face'. Ficou desanimada com os arranjos melancólicos e desligou o aparelho, puxando o fio da tomada. Do nada, a embriagada mulher soluçou, estalou os dedos e se agitou:

- Aha! Música! Os discos dele! - pensou Agnes com expressão de euforia, com olhos acesos e inquietos.

Todos aqueles vinis empoeirados, guardados naquele baú de palha envernizada, lacrados por um pequeno cadeado. Claro que se alguém desse uma martelada naquele cadeadinho, poderia violar facilmente o baú valioso. O cadeado era um emblema, que passava a idéia de que ali dentro do baú, havia algo de valor inestimável. Agnes correu até a cozinha, batendo o calcanhar violentamente contra o chão (fato que rendia diversas reclamações dos vizinhos do andar abaixo). Voltou novamente triunfante, com um martelo de bater bife. Mas nas mãos de Agnes, o simples martelo se transformou numa espécie de Excalibur. A espada que iria libertar todos! Se hesitar, voltou ao quarto, à base do calcanhar. Com olhar maligno 'trucidou' o pobre cadeado, e ele não ofereceu muita resistência, caindo na terceira martelada. Abriu o baú ao som de sua risadinha endiabrada. Vislumbrou discos realmente empoeirados, poeira que se misturava com gotas de suor que caíam das maçãs do rosto de Agnes.

- Oh! Velvet Underground! Beatles! Alan Parson's Project? Não sabia que ele gostava dessa joça! Hahaha! Agora ele acorda!

Saiu correndo com dezenas de vinis nas mãos, saltitando como sempre, com seu calcanhar pesado. Despejou os vinis na mesa de jantar, feita em madeira maciça e os enfileirou desordenadamente ao longo da extensão da mesa.

- Quem eu destruo primeiro, amorzinho? Sonic Youth!

Crash! Menos um 'Daydream Nation' no mundo.

- Próximo! Vamos ver, vamor ver... Beach Boys!

Crash! Menos um 'Pet Sounds' no mundo.

- Agora Miles Davis! Tchau neguinho!

Crash! Menos um 'Kind of Blue' no mundo.

À medida que os vinis era estilhaçados sob marteladas, alguns destroços se chocavam com a pele de Maulin, que permanecia parado, fitando a lâmpada. E Agnes era implacável em seu ofício tenebroso, dando ao martelo algo mais nobre que bifes para bater. Os estilhaços voavam sem parar contra o pescoço de Maulin até que uma ponta afiada espetou sua bochecha. O êxtase de Agnes continuava enquanto dúzias de discos era covardemente estouradas. O tato:

- Que porra de fagulhas são essas me cortando? - pensava Maulin

Após quebrar os 184 discos da coleção do amigo, Agnes deitou em meio às pontas de vinil e começou a rolar aos prantos, enquanto o corpo era dilacerado:

- Meus Deus do céu! Olha pra mim, desgraçado! Me dá atenção, só um pouco! Preciso te contar algo! Estou apaixonada por você, Má! Pare de olhar pra essa luz desgraçada!

De repente Maulin sentiu seus nervos pinicarem, em todo o corpo. Começou a tremer, a pular, mas curiosamente mantinha o rosto voltado para a lâmpada. Ele começou a correr em volta da mesa, tremendo, saltitando, como se algo quisesse ser expulso de seu corpo. Agnes observava incrédula os movimentos de seu amigo. Levantou bruscamente e correu atrás de uma vassoura. Encontrou um rodo. Segurou firme no instrumento de limpeza e desferiu golpes contra a nuca de Maulin. No oitavo golpe, Maulin gritou:

- Apaga a luz, biscate do caralho!

Agnes alcançou o interruptor e fez o que deveria ter feito desde o início. A luz se apagou e Maulin piscou. Caiu rapidamente no sofá e levantou na mesma velocidade, segurou o rodo com firmeza e em seguida o lançou longe. Chutou as velas que estavam acesas ao seu redor. Segurou o pescoço da amiga com força e levantou a outra mão para acertá-la na boca. Nesse pequeno espaço de tempo, Maulin observou a cena "lúgubre". A luz da lua atravessava a porta da sacada da sala e exibia vultos de uma batalha. Ele acendeu o abajour e caiu de joelhos: charutos partidos pela metade, a garrafa de Romanée-Conti caída com macarrão por cima. Pontas de vinil por todas as partes (algumas rasgaram seu joelho ao cair no chão). A mão dele continuava firme, presa ao pescoço de Agnes. Ela por sua vez começou a se contorcer e, num relance, vomitou abundantemente no peito de Maulin. Imediatamente ele se jogou para trás, encostando suas costas no chão e se cortando ainda mais.

Sua visão ainda não estava boa e começou a esfregar os olhos. Arrastou-se até o banheiro, molhou o rosto. Parecia que estava em plena ressaca. Deitou em sua cama, que estava intacta e desejou a morte. Depois de três horas descansando a vista, acendeu a luz e notou que a pequena adega estava aberta. Fechou os olhos ao notar que o Romanée-Conti estava ausente. Ensaiou um choro, mas nada saía. Olhou ao lado o baú violado, com capas de discos pelo chão, invadindo o corredor. Não podia ser possível. Foi cambaleando, morrendo de dor de cabeça até a sala e viu Agnes deitada, rendida ao sono. A sala estava semi-destruída. Nenhum aparelho de som, televisão ou de DVD havia sido destruído. O computador estava intacto também. Mas ele não entendia nada, o que ocasionou tudo aquilo? Maulin só lembrava de muita luz. Clarões e mais clarões. Ele fechava os olhos e ainda uma bola de luz se exibia. Foi para a sacada com um pedaço de charuto que achou junto ao seu pé e o acendeu. Sentou em uma cadeira e cruzou as pernas. Alguns carros passavam, a lua estava prateada e desafiadora no céu. Baforou algumas vezes enquanto uma brisa brincava com seus cabelos. Queria dormir mas não conseguia, até que o dia raiou e nem um bocejo surgia em sua boca.

- Céus, o que aconteceu? Vou ligar pro médico.

Eram oito e meia da manhã e Maulin ligou para o doutor Schillo.

- Alô, por gentileza, o doutor Schillo?
- Doutor Schillo acabou de chegar, senhor. Quem gostaria? - respondeu a recepcionista com voz fanha e sonolenta
- Diga que é Maulin.
- Um momento por gentileza.

A nona sinfonia de Beethoven tocava em tons monofônicos.

- Dr. Schillo, pois não? - atendeu o doutor com voz grave e desinteressada
- Fala esquilo! Como andam as coisas lá na árvore? Hahahaha!
- Maulin, você sabe que eu detesto essa piada de esquilo! Vai marcar algum exame?
- Não, doutor. Quero saber se o senhor pode me explicar o fato de eu ter ficado horas hipnotizado, olhando pra uma lâmpada.
- Hã?
- Isso mesmo, como uma mariposa. Fiquei por horas fixado numa lâmpada, inconsciente! E a droga da Agnes destruiu tudo que eu tinha de valor, tentando me despertar!
- Como assim? Ficou fixo na lâmpada?
- É, parado, em pé, por horas!
- Olha Maulin, você "tá" inventando estória...
- Doutor, se quiser, passe aqui no meu apartamento e veja a merda que aconteceu!
- Tudo bem, Maulin, no fim do dia eu passo aí.
- Obrigado, doutor.

O dia passou lentamente e Agnes permanecia em meio ao vômito, deitada. Maulin não sabia o que fazer até que no começo da tarde cochilou, mas acordou a tempo de ouvir a campainha.

- Quem é? - perguntou Maulin, se desviando de cacos de vinil.
- Sou eu Maulin, doutor Schillo.

Maulin deu uma risada, ao ouvir o nome dele e abriu a porta. O doutor Schillo cumprimentou o paciente e entrou com cuidado. Estranhou o cheiro e a visão.

- Santo Deus! O que aconteceu aqui? - perguntou o doutor, com a mão no nariz.
- Eu não sei! Quando saí do meu "êxtase", a Agnes estava me batendo com um rodo na nuca. E eu vislumbrando um clarão que me atraía. Pedi pra ela apagar a lâmpada. Quando ela o fez, cai no sofá e fui pra cima dela. Mas ela vomitou em cima de mim e caiu no chão.
- Santo Cristo...
- Agora essa vadia destruidora fica aí dormindo na bebedeira dela enquanto eu fico aqui calculando os estragos que ela fez! Mas me diga: o que é isso? Que atração é essa?
- Olha Maulin, eu nunca presenciei um caso semelhante, mas existem casos na Europa de pessoas que passaram pelo que você passou.
- Sei, e o que seria isso? - perguntou Maulin intrigado com os discos no chão.
- Deixe-me pegar um livro aqui - falou o doutor enquanto se curvava em direção à sua mala.

O livro dizia:

"A atração é atribuída a uma desordem no sistema de localização do inseto, que o induz a esbarrar ou a circular em volta de uma fonte luminosa".

- Hã? Eu sou um inseto?
- Hum... não. Mas você teve uma desordem no sistema de localização. Você simplesmente perdeu noção do tempo-espaço e se apegou a uma lâmpada. A medicina não explica isso. Não há estudos sobre esse caso...
- Caramba, mas eu não lembro de ter ficado desorientado - interrompeu Maulin com voz irônica
- Maulin, não estou lhe chamando de louco, mas é o que acontece com os insetos, oras! Ou você já viu vacas rondarem uma lâmpada? - completou o doutor com tom de deboche.
-Tá, tá. E o que fazer?
- Bem, primeiro você deveria limpar essa pocilga, acordar sua amiga branquela...
- Como assim? Branquela? - novamente Maulin interrompeu
- Oras, olha como ela é branquinha!
- Meu Deus Eterno! - gritou Maulin com as duas mãos tapando a boca aberta.
- Ela não é pálida desse jeito?

Maulin correu até Agnes e deu um tapa na cara dela, a fim de acordá-la. Mas foi em vão. A boca de sua amiga abriu e ejetou altas doses de vômito. O cheiro era horrível. O doutor Schillo correu em direção ao corpo de Agnes e mediu o pulso. Abaixou a cabeça e disse em tom fúnebre:

- Ela está morta.

Maulin correu atrás de uma panela, encheu de água e a levou para sala, jogando o conteúdo da panela na face alva de Agnes.

- Acorda! Acorda!
- É em vão, Maulin. Ela se foi.
- Não, isso não pode acontecer. Não está acontecendo! - Maulin rodopiava pela sala exaltado com a mão nos cabelos
- Ela morreu de asfixia! Com o próprio vômito! - gritou o doutor, com a mão ainda em seu pulso.

Maulin sentou no chão e chorou, atônito, com a vista fixa num pedaço de vinil. O doutor chamou a ambulância e tentou consolá-lo.

- Poxa, eu nem sei o que dizer.
- Só me diga uma coisa: o que aconteceu comigo?
- Eu não sei! Não faço a mínima idéia! Preciso estudar isso, mas é difícil, não é da minha área. O fato está mais ligado à neurologia. Mas vou agilizar uma equipe, vai ser interessante descobrir isso.
- Céus, preciso de um trago - disse Maulin, se dirigindo à sacada.

Os homens da ambulância chegaram rapidamente e retiraram o corpo de Agnes. Maulin chorava copiosamente ao observar sua amiga ir embora daquela forma.

- Por que ela não apagou a luz?! Por quê?! Problemática desgraçada! Burra, estúpida! Era só ter apagado a luz!

Correu pelas ruas até um bar. Pediu um whisky ao atendente. Despejou uma nota de cinco reais no balcão e bebeu a dose em um gole. Pediu outra dose e a bebeu da mesma forma. Na oitava dose, com a cabeça girando e o corpo em frangalhos interagiu com um velho, mosca de bar:

- Não fique assim, filho. O que aconteceu? - perguntou o velho
- Eu me fixei à luz e graças a isso, minha amiga morreu.
- Como? Sua amiga morreu porque você se apegou à luz?
- Sim, enquanto eu estava firme na luz, ela encheu a cara e morreu.
- Mas porque você não a levou pra luz enquanto havia tempo, rapaz?
- Esquece. Ela morreu com classe. O porre fatal mais caro que conheci.
- Malditos jovens confusos. Pros diabos! - disse o velho mudando de cadeira.

Maulin tomou mais 7 doses e não suportou a força das bebidas e desmaiou, caindo aos pés de uma mesa de bêbados. Alguns olharam e não se manifestaram. Maulin permaneceu ali, desmaiado na sujeira, indiferente aos olhares das pessoas. De repente, ele vomitou.

sábado, dezembro 22, 2007

Nota mental

"Eu sou curioso por demais, questionável por demais, animado por demais para poder aceitar uma resposta esbofeteada. Deus é uma resposta esbofeteada e grosseira, uma indelicadeza contra nós os pensadores - apenas uma proibição grosseira e esbofeteada contra nós: vós não deveis pensar!"

Friedrich Nietzsche - Ecce Homo

Posso argumentar o dia inteiro com você sobre isso. Quer?

Espiritus Natalinus (é o) Caralhus (e meu) Ovus

"Desejo que seus sonhos se realizem no ano de 2008"

Geralmente essa frase vem junto a um abraço efusivo e um chacoalhar de mão no seu ante-braço. Mas com os diabos: a não ser que eu ganhe na Mega Sena ou que eu roube um banco, meus sonhos não vão se realizar em um ano apenas. Ou essas pessoas têm a prepotência de achar que sabem dos meus planos, se estou à beira de ficar rico? Me deixem, raposas malditas!

Parasitas, falsos cristãos! Só são seguidores do Cristo no fim do ano? Com seus alentos de araque, com seu natal fajuto, com a reunião pífia de familiares que nunca se dão ao trabalho de se ver durante o ano e hipócritamente prezam pela tradição de reunir a família.

Deus, salve o divórcio! Que o menino Jesus com sua rola pequena e singela, salve as separações e anulações! E que os anjos cantem: ADULTÉRIO NAS ALTURAS! DINHEIRO NA TERRA AOS HOMENS DE MÁ VONTADE!

E o espírito de natal silva como uma sucuri, pelas sarjetas e ruas, rumo aos boeiros e esgotos, assim como os reis magos rumavam para Belém, afim de presentear o seu messias.

Apóstolos de Cristo: não cansaram de ler fábulas no Velho Testamento? Tinham que criar as suas também? Sorte de vocês que a tradição impera entre a ignorância e azar o nosso porque Nietzsche ficou lélé da cuca.

Quem nos salvará da manjedoura? Dos peixes e os pães multiplicados? Do mar congelado e trafegável? Quem nos salvará dos demônios de Judas Iscariotes? Ou quem nos salvará da cruz e seus três dias de decomposição?

Cristo ascendeu ao céu, palmas! O cristianismo ascendeu ao Vaticano, palmas! O 25 de dezembro pagão ascendeu à nossa cultura, palmas! E você provavelmente descerá ao inferno, palmas, em pé!

Espirrei sem querer e foi catarro pra todos os lados. Alguém me empresta o Santo Sudário pra eu limpar aqui?

quinta-feira, dezembro 20, 2007

A Dança da Ambição

O universo dança um maldito balé ao som da oitava sinfonia de Mahler. Suavemente se desenrola, abrindo sua maldita sacola de surpresas e lançando ao ar brilhantes diamantes que aumentam nossa ambição, para nos fazer podres hienas, sorridentes, que não sabem do que rir. Apenas mostramos nossos dentes, em sinal de desdém em relação a vida. A neurose espontânea e constante nos embaraça ao nos entrelaçar junto a vida, num nó apertado, como de marinheiro que navega por mares distantes, não distantes da família, mas de seu vício: as ruas. Ruas essas que conduzem largos passos de ninguém. O ninguém que pode ser você, batendo pernas em meio a uma piscina de lama ambiciosa. Aquela ambição brilhante como diamante. Será que tem valor? Seria um zircônio?

Nós não podemos, ó Deus, nós não podemos!

Abre seu peito, incrível mestre platinado. Abre seus olhos, mentor incandescente. Os caminhos não são o que você parece, pupílo, pupíla dos meu olhos. Saiam vapores da madrugada, ganhem suas vias, aqueçam os vermes que se aglutinam e se amontoam em meio à falsa, à zircônica calma de alguns minutos onde ninguém ambiciona. Onde o sono cobre por instantes o vigor do querer.

Te quero, te desejo. Você é minha ambição. O infinito não é mais sem fim, graças a você.

Violinos, dilacerem minhas veias coronárias, obstruam o oxigênio. E o balé que agora meu sangue dança, ainda ao som da oitava sinfonia de Mahler, se torna cada vez mais dramático enquanto a previsão de minha morte se desenha em papéis opacos e obscuros. Ah vida! Como sinto sua falta aqui na terra de ninguém. Aqui na terra de você. Como sentirei falta de vocês, meu amigos.

Até terminar, seremos assim. Não pare a luta, carneiro de ouro. Muitos ainda hão de se prostar diante de sua imagem de distração. Nem vinte mandamentos segurariam um povo tão ambicioso. A ambição de trair, a ambição de conquistar terras de um dono que não conhecem. Nem trinta mandamentos, Deus, nem trinta. E Canaã está distante, EU SOU!

Somos amaldiçoados por um mal que não sabemos de onde veio.

Lúcifer, de onde você surrupiou o mal?

domingo, novembro 18, 2007

Chuva, Whisky, smog e Anotações sobre a vida no litoral

Longe da soturna e efervescente São Paulo, me vejo diante de uma tarde de chuva e relâmpagos em Ubatuba. Sozinho em casa e sem a menor satisfação com essa 'nova vida', sentei numa cadeira no lado de fora da casa e alcancei meu maço de cigarros. Carlton. Os Luckies estão em extinção nessa terra. O atendente do bar Campeão me prometeu Luckies para segunda. Aposto que serão Luckies vermelhos. Tô fodido. Olhei para o céu, a tonalidade do cinza escurece a cada segundo e me traz mais saudade, de São Paulo, daquela camada opaca de poluição que eu costumava ver do vigésimo segundo andar. Pensei num som que poderia ouvir, para me afundar nessa pseudo-depressão que venho desenvolvendo. Mesmo com minha mãe por aqui, não vejo motivos para me integrar nesse novo estilo de vida. O som escolhido foi do Smog. Engraçado, esse nome nos EUA é usado para classificar um tipo de poluição: smoke + fog = smog - o que aumenta a minha saudade de São Paulo. Smog também é um nome pelo qual o grande cantor Bill Callahan é conhecido. Por Cristo, ele me entrega de bandeja toda a conformidade necessária. Essa voz sombria e grave misturada com arranjos mais sombrios ainda me fazem repousar no sofá, ao lado da case de CDs, com uma garrafa de Passport junto ao meu pé. Dou um gole generoso na bebida e observo aqueles mosquitos de fruta planarem sobre o bico da garrafa. Logo pego meu isqueiro e acendo-o, tendando espantá-los. Em vão. Foda-se. Minha testa começa a umedecer graças ao maldito suor, graças ao maldito calor dos trópicos. Dou mais um gole e "Dress Sexy at my Funeral" começa a circular pela sala. Sempre achei os arranjos dessa música muito bons, mas a letra é demais. Quem falaria isso para a sua mulher?

Dress sexy at my funeral, my good wife
For the first time in your life

Meus pés não param de balançar, graças à ansiedade que permeia minha cabeça. Ontem eu fui surfar (ou tentar surfar), no começo da tarde. Pode parecer incrível no começo, a sensação de liberdade, pensar quem em Sampa o pânico da vida proletária se instaura o dia todo, enquanto eu estou na praia Vermelha, pensando e analisando qual a melhor onda pra pegar. Mas é nisso, no mundo paralelo que gira em São Paulo, é ali que mora o maldito dilema. Essa não é minha vida. Estou roubando miseravelmente a vida, o sonho, as pretensões de muita gente que merecia estar em meu lugar. Estou aqui por acaso. Pra muitos é sorte. Pra mim é azar. Eu não consigo relaxar. Fico calculando, maquinando o modo que verei a Mih, quantos dias faltam, quantos já passaram. Ela mora no meu coração e pensamento. Não há diversão, não há vantagem alguma em ficar longe dela. Não dá certo. Adoro ficar só por algumas horas ou dias, mas adoro a idéia de vê-la pelo resto da vida ao meu lado. Mas não é tão simples assim.

Tomo mais um gole e Smog permanece mexendo nas feridas. Filho de uma puta.

Aos poucos estou ficando bêbado e a sensação é boa. Não me digam que a bebida é a fulga do fraco. Foda-se, estou fraco e não adianta cobrar força. A única força que encontro é quando ouço aquela voz doce e feliz da Mih. Acendo mais um cigarro e mais um gole de whisky desliza por minha garganta. O vizinho carioco passa de bicicleta e nem cumprimenta. Melhor assim. Flamenguista é tudo a mesma merda. A chuva por aqui parou, foi pro mar. Sim, o mar, o cara mais genioso e controverso que existe na Terra. 'Mar na Terra' que contradição. Acho legal passar pela zona pesqueira e ver aqueles homens sofridos, marujos, transportando sua pesca para peixarias. Até pensei em descolar um trabalho nessas peixarias. Aliás, seria legal ficar a noite inteira num barco pesqueiro, sem ouvir nada, só o mar, o genioso:

- Opa! Um peixe!

Aí eu ficaria lá lutando contra aquele maldito ser delicioso. Puxaria a linha, após um grande embate e veria o Robalo, bonitão. dez quilos. Um pescador disse que pegaram um robalo de vinte e seis quilos há dois dias atrás:

- Uns caras pegaram um Robalão de vinte e seis quilos ali no encontro do mar!
- Caralho! Mas vem cá, não é estória de pescador?
- É nada, rapaz! Já venderam ele!
- Imagino que foi bem caro...
- Foi sim, uns duzentos e cinqüenta conto!
- Porra, acho que vou pescar.
- Não é pra qualquer um!
- É, pode crer.

O filho da puta estragou meu sonho de pescar um peixão. Eu sou mais um, tudo bem. É assim em São Paulo também. Ninguém tem rosto, rola, boceta ou alma. Somos um número. Eu sou um número de onze dígitos do meu CPF. Mas sinto saudades da burocracia e frieza do sistema.

Aqui todo mundo se cumprimenta (menos o carioca flamenguista). Destesto isso. Você passa dez vezes pelo mesmo cara e ele te diz 'bom dia', 'boa tarde' e 'boa noite'. Santo Cristo da Silva, um 'bom dia' já basta! Mas não para eles, isso é insuficiente para satifazê-los. Tive o infortúnio de conhecer um traficante de drogas e armas aqui em Ubatuba. E todo dia ele aparece na rua, no Centro, na praia, nas praças, até no bar onde bebo. Maldita fatalidade de cidade pequena. Em Sampa conheço milhares de pessoas e nunca as encontro perambulando pelas ruas. É um milagre achar um conhecido nas ruas de São Paulo. Prefiro assim. Aqui, os mais velhos são corteses. Eu estava bebendo no bar e avistei um caiçara com seus quarenta e cinco anos. Pochete cruzada no peito, bigode farto e músculos, muitos músculos espalhados caprichosamente por todo o corpo. Pensei que se eu arrumasse briga com ele, deveria chutá-lo no peito, uma solada impulssionada com todo o meu peso, e fugir, correr como nunca. Mas de repente o meu suposto adversário me cumprimenta como se eu o conhecesse há anos. Quebrou minhas pernas. Eu com pensamentos ímpios e perversos e ele com sua simpatia natural de quem vive despreocupadamente na praia.

Quando fui a Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Rio de Janeiro entre outras cidades grandes, me gabava por morar na locomotiva do Brasil. Eles ficavam putos, se defendendo, citando as vantagens de viver como um europeu em Porto Alegre ou por ter o mar para relaxar no Rio de Janeiro. Geralemnte eu mandava todo mundo se foder:

- Sem São Paulo vocês não seriam nada! Fodam-se!
- Mas nós temos praia, brother! - replicava o carioca
- Quem máné brother! São Paulo é a cidade que leva vocês nas costas!

Sempre a superioridade paulistana. São Paulo, a cidade que não para. Sendo sincero, muita da nossa força vem de braços nordestinos, mas quando o assunto é 'crescer', fale com um paulistano. Deviam fazer um adesivo com os dizeres: "Não há prosperidade sem um paulistano", igual àquele da OAB que diz: "Não se faz justiça sem advogados". Da hora. Mas aqui em Ubatuba eles estão pouco se fodendo com sua superioridade. Eles não precisam de prédio, não precisam de carros (todo mundo anda de bicicleta). Nem adiantaria eu me gabar. Aqui eu sou gente, tenho rosto, rola e o CPF não significa muita coisa. Detesto isso. Às vezes abro minha carteira e fico olhando pro CPF, pro RG, pra carteira de habilitação. Eu existo no sistema. Isso é bom! Eu sou um número de onze dígitos andando por uma utopia de felicidade! Caralho, o whisky subiu.

E as bicicletas? Aqui é unanimidade. Todo mundo, ricos ou pobres, tem a sua. Garotas com coxas rígidas e torneadas desfilam pelas ciclovias. Aqui as garotas levam tudo em suas bicicletas. Compras, filhos, cachorro e até o marido (juro que vi isso). Em Ubatuba luxo é ter um teto pra morar, uma prancha, uma amor e uma bicicleta. O resto é pedir demais. O Smog está finalizando a seleção de canções e o whisky está acabando. O céu está abrindo e escurecendo. Minha mãe já chegou e me ofereceu suco de limão duas vezes. Recusei duas vezes. Suco, suco, saúde. E eu aqui bebendo whisky. Sem gelo, puro. Sei que suco de limão com whisky vira Sour Whiskey, mas tô na manha do cowboy, bebendo no gargalo sem gelo, à seco. Foda-se.

Deixo minha vista passear e avisto montanhas, montanhas e mais montanhas. Grilos emitem seu som peculiar e as ruas já têm sua iluminação. Faz tempo que não ouço uma sirene. E tudo o que vejo são castanheiras, bananeiras e todas as outras 'eiras' da natureza. O calor permanece, teimoso, malandro, enchendo meu saco. Acho que são sete horas da noite. Estou seriamente bêbado e acho que vou pro meu terceiro banho.

Erich, Diego, vocês deveriam estar aqui.

Mih, te amo.

Caralho, meu cinzeiro está uma catástrofe. Preciso esvaziá-lo.

Foda-se o banho. A cerca do infeliz do vizinho está estourada e ele nem mora aqui, só na temporada. Hoje à tarde teve arco-íris. Sou paulistano, tudo é monocromático pra mim. De repente vejo um arco exibindo sete cores. Preciso de um oftamologista.

Conheci um surfista de alma pura, cada ato, cada palavra de uma pureza semelhante a de um monge budista. O cara tem trinta e sete anos com cara de vinte e cinco. Planta bananeira no asfalto por dez minutos. Surfa todos os diase como ele diz, tem sempre pensamentos positivos. Embora eu veja uma felicidade escancarada em sua face, nada de "good vibrations" me interessa, só a música dos Beach Boys. Não desprezo pessoas assim, eu as admiro. Como conseguem ver as prezepadas de Deus sob olhar otimista. Pessoas são assassinadas aos milhares e as pessoas ainda dizem que 'Deus é amor'. Precisam daquela cirurgia de catarata. Cegueira demais! E eu olhando o mundo com as lentes da realidade, mesmo que o arco-íris seja preto e branco, me sinto feliz. Mas me entrego à teoria de que a maresia contém substâncias tóxicas. Todo mundo é feliz e cego. Hoje li que o cloreto de sódio (vulgo sal) em excesso, pode ocasionar a cegueira. Acho que o sal marinho vem assolando o litoral. Santo Deus, cocaína, anthrax e agora outro pó: o sal.

Finalizei a garrafa! Fui atender o telefone na sala e ao subir as escadas de madeira pra voltar aos escritos, tropecei trágicamente, de forma mágica, me agarrei ao corrimão e gritei:

- Ê, bêbado!

Ainda há uns dois dedos e meio da bebida que despejei no copo, os últimos goles da fulga. Meus dedos doem em meio a pequenos calos que surgem. Faz tempo que não escrevo com caneta e papel. Só computador. Estou ébrio e as letras não passam de garranchos. Preciso de um equilíbrio perfeito - leia-se Carlton.

O dinheiro aos poucos se esgota, mas dia catorze eu saco a primeira parcela do meu seguro-desemprego. Viva o Brasil! Pagando minhas bebedeiras. Deus salve meu país tropical e claro, o número do meu PIS. Essa grana garante que sem cigarro e whisky eu não fico. Garante também alguns caprichos, como passar na zona pesqueira e comprar um bom peixe. Porra, aqui a sardinha sai a dois reais o quilo. E aqui tem livraria Nobel. Preciso de um novo livro. Estou terminado o "Espere a Primavera, Bandini" de John Fante e me desespero sob a perspectiva de não ter livros pra ler. Estou esperando o lançamento de "Pulp" do Bukowski (a L&PM prometeu o lançamento pro fim deste ano). Diabos, não há mais espaço para gimbas de cigarro no cinzeiro. O cinzeiro parece o ônibus de Sampa às seis da manhã.

Ônibus, aqui são poucos. Acho que o prefeito vê as bicicletas, enxames de bicicletas (qual é o coletivos de bicicletas?) e fica tranqüilo: o povo faz seu transporte coletivo. Pegar ônibus aqui é roubada. É preferível andar a pé que esperer um ônibus num ponto. Os ônibus são amarelos e bonitos. Mas isso não seduz a massa caiçara. Você pega a condução e em cinco minutos está em seu destino. Andar é realmente o bom negócio. Você pode andar pela praia deixando o mar refrescar seus pés. Aí você gira e só vê mar, montanhas cobertas pela remanescente Mata Atlântica. E gente de bicicleta. Aqui você anda oito quilômetros a pé tranqüilamente: o terreno é plano.

De repente você se depara com as ruas de Itaguá, praia badalada infestada de restaurantes chiques. E quando você caminha por lá, caminha numa via crucis, rumo ao calvário da fome. Os restaurantes anunciam na cara dura os pratos sugeridos: Peixe à putanesca, Lagosta à carnavalesca, marisco a cachacesca e todas as 'escas' da gastronomia mediterrânea. O cheiro te eleva à milésima potência da fome numa equação torturante. E eu, malandro que sou, saio sempre com dois e cinqüenta, o suficiente pra beber uma cerveja e rebater o calor. Permaneço com fome. Mas tudo bem, a padaria tem uma ótima coxinha e descobri na zona pesqueira, um barzinho refinado, que vende a fatia do cuzcuz marroquino por três e cinqüenta. Vale cada centavo.

A vida continua, estou me intrometendo no sonho de muitas pessoas, vivendo a felicidade que pra mim é melancolia. São Paulo, continue na luta, crescendo. Em breve estou de volta.

quarta-feira, outubro 31, 2007

Primeiro dia: primeiras impressões sobre o marasmo

Pensei: cacete, será que o Diego vem ou não? E de repente o celular toca, acusando chamada vinda do celular do próprio Diego:

- Man! Tô em frente ao supermercado Dia.
- Peraê que eu já vou aí te pegar.

Ele estava sério com um cigarro na boca e portava um boné na cabeça, graças ao corte de cabelo que ele julga ser ridículo. Peguei a mochila dele enquanto ele ajustava a guitarra nas costas. Chegamos em casa e a espera foi longa. Isso ocorreu lá pelo meio-dia e só saímos às nove da noite. Nesse período de espera bebemos cerveja, que trincava e mesmo sendo Brahma, descia redondo. Assistimos boa parte do filme escrito pelo nosso ídolo Charles Bukowski: Barfly - Condenados pelo Vício. E enquanto morríamos de rir do filme, minha mãe chegou, nos apressando para a saída. Fomos até à casa de minha avó para fazer uma refeição rápida na base de macarrão à bolonhesa. O Marcelo, namorado de minha mãe nos esperava lá, se recuperando de uma crise de pressão alta. Por Cristo, fazia calor, muito calor, ao ponto de ser registrada a temperatura de 36 graus no largo do Cambuci. Saímos da casa de minha vó petiscando doces de beterraba (o Diego queria roubar mais um, mas minha avó é uma sentinela eficiente quando o negócio é vigiar comida em sua cozinha.

O Celta estava abarrotados, com dois baús, um baixo, uma guitarra, quatro malas e umas barras de metal. Nos acomodamos em nossos lugares e partimos. O céu estava carregado e o vento de forma estranha mudou sua intensidade e força, anunciando a vinda de uma forte chuva. Ao chegar na Dutra, meu joelho que estava muito dobrado devido ao modo como as coisas estavam compactadas, começou a doer muito. Não poderia resistir uma viagem de quatro horas daquele jeito. Paramos na beira da estrada e troquei de lugar com minha mãe, que se acomodou atrás enquanto eu me aliviava com a liberdade que meu joelho gozava. A viagem foi em seu começo, sem nenhuma trilha sonora, e a estrada era escura e tortuosa me levando a pegar a case de discos e puxar aquele disco tão lindo, gravado pela Mih, e escrito pela Mih, com desenho da Mih. Era uma coletânea de sucessos dos Los Hermanos, banda que mais me faz lembrar da minha pequena. Nesse instante, minha mãe dirigia o carro e assim o faria até chegarmos ao nosso destino. O Marcelo, lá de trás perguntou:

- Felipe, você não vai dormir, né?
- Enquanto esse disco rodar, não tem como. Fica tranqüilo - respondi consciente que não havia como dormir diante de tantas lembranças da minha pequena.

O disco rodava canções que me faziam vislumbrar aquele sorriso dela, aquela risada maluca dela, o abraço dela. Céus! Como eu poderia ficar longe dela por um mês e alguns dias? Meu dilema se intensificava, porém eu me tranqüilizava ao pensar que logo, logo ela estaria lá comigo, me fazendo rir, me fazendo companhia.

Me auto-responsabilizei em manter minha mãe acordada, não queria que a merda se instalasse e o carro rodasse graças a um sono repentino. Eu a mantinha acordada, comentando sobre a música, sobre o português bem empregados nas canções, sobre as letras disconexas, sobre o tempo que a banda deu e os trabalhos paralelos dos integrantes, como a Orquestra Imperial que entrete a Mih enquanto os Los Hermanos não voltam à ativa. Fizemos uma parada onde comprei dois maços de Lucky Strike. O Diego e eu sentamos e fumamos um pouco enquanto o Marcelo e minha mãe comiam e bebiam algo no bar. Fomos ao banheiro mijar e logo estávamos no carro, indo em direção e em alta velocidade para o destino.

A viagem permaneceu naquela linha: eu utilizava de meus conhecimentos musicais para entreter minha mãe, até que coloquei uma coletânea dos Rolling Stones. O disco comeou com "You Can't Always Get What You Want" e o Diego lá atrás, apreciava o som, mesmo tendo confessado em tempo atrás que não curtia muito a banda. Mas ao poucos ele foi se encantado com músicas que não tocam por aí, como "I Can't Get (No Satisfaction)" ou "Start me Up". Minha mãe ficou entretida com histórias que eu contava, como quando a música "Angie" tocou e ela ficou sabendo do caso entre Mick Jagger e David Bowie e que essa referida música era um pedido de desculpas de Jagger à Angela (Angie) Bowie, esposa do David. Cacete, vai entender esses caras.

Atravessamos a medíocre Taubaté em dez minutos. A cidade é tão sofrida que o slogan de turismo da prefeitura é: "A nossa maior atração é você". Pudera, cidade sem graça, sem nada pra fazer, soturna e pálida, transferiu ao visitante a responsabilidade de ser a atração do lugar. Puta merda, que lugar mais sofrido.

Paramos no Canto do Curió (não sei o nome ao certo), onde há um restaurante coberto de escaravelhos. Um era tão grande que encheria uma caixa de cigarro facilmente. Eles voavam por todos os lados.

- Cacete Diego! Olha isso! - disse eu me afastando com um salto.
- Ahhhhh! Afff, mano, credo, detesto insetos! - confessou Diego em meio ao nojo do bicho gigante

Enchemos a garrafa com água límpida e pura da bica do Curió e fumamos uns cigarros. Voltamos ao carro agora em definitivo. Os Stones continuavam, e a conversa continuava a todo o vapor. Chegamos à serra, que descia por sete quilometros e Diego que dormia, acordou:

- Aê! Acordei na melhor parte.

Pelos deuses, minha mãe estava sentando o pé no acelerador, fazendo curvas aberta, freando bruscamento, enchendo nossas barrigas de frio. Eu que não gosto de dar pitacos sobre o modo das pessoas dirigir, fui obrigado a pedir que maneirasse na velocidade. Ela humildemente dizia:

- Tô correndo?

Imagina, se aquilo não fosse alta velocidade e direção de risco, eu sinceramente não sei o que era então. Mas ela dirige bem, e logo pegou a manha das curvas e chegamos sãos e salvos na terra plana, no litoral. Finalmente chegamos à Ubatuba, a capital do surfe. Fomos vagarosamente passando pelas ruas lotadas de lombadas enquanto o Marcelo nos mostrava as alegrias e vantagens de viver na cidade. Ubatuba realmente tem um ar acolhedor e úmido.

Chegamos ao condomínio de casas de aparência igual, porém diferentemente adornadas. Descarregamos o carro e o cansaço havia se apoderado de nossos corpos, porém não havia como dormir, pois havia uma empolgação no Diego que o mantinha acordado e eu no embalado, meio empolgado, meio angustiado com a ausência da Mih, fiquei acordado. Começamos a destrinchar as lembranças do trabalho. Mulheres que aguentariam uma orgia. Fizemos a lista (que não era escassa) e rimos muito, deitados em nossos colchões, em meio àquele calor que apenas o quarto apresentava. Sugeri que pegássemos o whisky pocket que eu tinha na mochila e o bebessemos puro. Ficamos na sacada, curtindo a brisa do mar, o ar úmido e nossos Lucky Strikes, que dançavam perfeitamente com o sabor do whisky. Logo a bebida subiu e o sono se apoderou de nós. Nossas vozes assumiam tons sombrios devido ao raciocínio lento e o cansaço. Até que o Diego soltou o primeiro ronco. Fim do primeiro dia.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Freedie Freeloader

Freddie Freeloader...
É ouvindo notas complexas que me impressiono com a complexidade da cidade
É no alto da cidade, sim, nas alturas que vejo a cidade que emana música
Eu vejo notas de um sax rebelde, improvisado
Eu vejo notas de uma guitarra distorcida, sofrida
Eu dou nota dez para o fogo que queima o fumo de meu cigarro
Eu dou nota zero para o fogo que sai do sol e queima nossa cabeça

É à noite que eu vejo claramente
É à noite que minha alma tem repouso
É à noite que os deuses dormem e param de brincar conosco
No pico mais alto da cidade
O mendigo adormece em suas desilusões
No concreto duro da realidade lastimável cotidiana
O estuprador foge com a braguilha aberta
Em meio aos gritos de sua presa
O motorista estaciona o ônibus na garagem
E pensa no ônibus que ele vai pegar pra voltar pra casa

E os deuses dormem

A fome adormece na barriga de um garoto
Afinal, a mãe disse que dormir mata a fome
O ódio tira um cochilo na mente do homem sanguinário
Mas a vingança permanece a rodeá-lo
A desconfiança dá uma trégua em meio aos sonhos
Os sonhos da mulher, mulher sozinha na cama

O deuses balbuciam alguma coisa em suas camas e voltam a dormir

O neon daquele motel está com uma falha
Não pára de piscar
Como também pisca a sirene da ambulância
Um velho desfalece em meio a um derrame
Como também pisca a sirene da polícia
Uma faca foi cravada três vezes no peito de um cara
Como também pisca a sirene dos bombeiros
Aquela mulher sozinha na cama, adormeceu com o cigarro aceso
Fogo... eu já disse que dou nota dez pra ele

E um dos deuses dá um ronco pausado e peida e depois volta a dormir

A fumaça da maconha passeia pelas via respiratórias do garoto
A tosse vem
A cocaína desfila brilhante pelas ruas do nariz da vadia barata
E o braço dela adormece
O LSD repousa nas macias línguas de amigos numa roda de risada
E mais risadas vêm

O despertador dos deuses toca
É um rádio relógio
E a música que acorda um dos deuses é Freddie Freeloader
Um dos deuses pensa em como Miles Davis é genial
E logo lembra que Miles Davis toca todas as quartas no centro da cidade dos deuses

Freddie Freeloader... legal...

terça-feira, agosto 07, 2007

Cheiradinha no rabo

Em parte detesto levar minha cadela pra passear. Não pela preguiça, nem pelo horário deveras tarde... não, não. Não é nada disso. É até divertido dizer "vâmo passeá?" pra ela e vê-la pular, girar e correr atrás da coleira. É recompensador saber que um ser te aguarda em casa pra levá-lo para passear. É embaraçoso saber que numa casa de 5 pessoas, a única pessoa que tem o hábito de sair pra passear com a Meg (cadela), sou eu. Mas vamo que vamo: por que eu detesto, em parte, levar a Meg pra passear? Bem, todo mundo sabe do costume dos cachorros, sim, aquilo de ficar cheirando o cu, os bagos, a buceta um do outro... porra, até aí tudo bem, os animais têm essa putaria inocente embutida em seu sangue, deixa quieto. Mas quando se aproxima outro animal acompanhado por um humano, putz, aí a coisa complica. Se o cumprimento é rápido (o que não deixa de ser um ato cordial e educado), tudo bem. Mas quando o humano quer te "cheirar o rabo" com aquele papo furado de donos de cachorros, porra, minha alma enegrece. Principalmente quando aquelas VELHAS esquecidas pelo diabo (que ainda não as carregou) cruzam meu caminho, geralmente com aqueles poodles sofridos, aí sim, o passeio se torna um martírio, uma sofrível via crucis, bem na minha vizinhança.

- É macho? - pergunta a velha com cara de cu fodido
- Não, é fêmea - respondo eu, ao invés de ficar quieto
- Ah, que bom! O meu é macho, dá pra se cheirarem

PORRA! E por que é 'bom'? Por que dizer 'que bom'? Ela ganha algo com isso? Logo em seguida vem aquele papo:

- Quantos anos ela tem?
- 6.
- Ah, já tá velhinha...
- Nem tanto... (e olhos pras rugas dela pensando se ela vê todo mundo como uma corja de velhos)
-A minha tem 12 anos. (percebo ao ver o espírito sofrido e vivido daquele pobre canino peludo)

Esse mesmo canino peludo vai pra cima da Meg querendo cheirar suas partes íntimas. Mas a Meg tem um sério problema com machos (se bem que um dia o poodle [finado] do meu tio tentou traçá-la no meio de uma festa de família, sim, os dois escondidos... ainda bem que flagrei o ordinário tentando deflorar minha donzelinha peluda e dei tanta bronca, que minha cadela não sabia onde por a cara). Ela simplesmente não admite machos cheirando seus fundilhos. Ela rosna ou morde a cara, sem piedade. E eu sempre assisto a selvageria da minha 'filha' com orgulho da garota. Mas voltando à velha, porra, eu fico indignado, pois enquanto o cachorro velho tenta cheirar minha cadela, a velha tenta cheirar meu saco, meu cu, com aquela conversa idiota e cotidiana que mais parece uma hemorróida ensangüentada no cu de um mexicano. Eu não gosto de falar sobre minha cadela, não gosto de abrir sua intimidade com pessoas da rua, muito menos para uma velha que perdeu o gosto da vida e reduziu o seu mundo a um quarteirão, onde ela passeia com o puto do cachorro 90 vezes ao dia, tentando conversar com alguém, tentando dar uma giratória na cara da solidão. Pobre velha. Foda-se, velha.

O bacanal comunicativo termina com a Meg mordendo a cara do poodle. Abaixo minha cabeça lentamente (afinal, eu já esperava isso) e vejo aquele 'cachorro-naftalina' gritando e se afastando da minha brava e lésbisca cadela. A velha sai a passos lentos na direção que eu ía seguir. Acendo o cigarro, agacho e agradeço a Meg pela braveza, ponho o jazz pra rolar no iPod e pego o caminho inverso dela, nem que seja o caminho mais longo.

sexta-feira, março 16, 2007

Eu não sou normal

É incrível, mas diversas sensações que outros humanos têm, eu não tenho. Não passam nem perto de mim. Às vezes me considero frio demais, calculista demais ou apenas largado demais. às vezes é preguiça de se revoltar, preguiça de levantar a bunda da cadeira e ir ao médico ver que dores são essas que surgiram do nada.

A inveja, por exemplo, não me faz nem cócegas de tão obsoleta que ela é. Sempre tem um cara com inveja e eu, sinceramente, não entendo o por quê de alguém me invejar. Mas, tendo motivos ou não, a inveja não me incomoda. O ser humano precisa de alguém o invejando. A auto-estima precisa da inveja dos outros, a inveja é o bem do século. Olho gordo? Só se for em desenho japonês, porque eu realmente não consigo associar a perda do meu emprego, por exemplo, ao olho gordo de um filho da puta que me inveja. Man, se você perdeu o emprego, é porque você é um puta de um incopetente, um cabaço incapaz de exercer as funções desse emprego. Aí vem alguém e diz: 'vamo tomar banho de aguá de não-sei-o-que, se benzer com folha disso-ou-daquilo'. E quando você se vê, tá pelado no chão com uma mãe-de-santo te jogando sal grosso. Porra, mal-olhado, cobiça, inveja, olho gordo... são nada mais, nada menos que sentimentos normais e naturais do ser humano. Deixa de ser idiota.

Outra coisa que não faz a mínima diferença pra mim, é o tempo que está passando rápido demais. Eu quero mais é que passe rápido demais, afinal, se demora é porque é uma bosta. Já ouviu aquela frase 'o que é bom dura pouco'? Então, é nessa linha mesmo. Se sua vida é tão lenta quanto uma tartaruga batendo punheta (deve ser lenta mesmo), então sua vida é uma bosta, uma mistura de sem-diversão com porra-alguma. Mas se seus dias estão rápidos como um guepardo no cio (isso deve ser rápido), então tá tudo um sucesso, tudo andando como diz o plano. Quando eu vejo meus amigos, os mais antigos, todos barbados, bebendo cerveja, fumando, com suas namoradas, esposas, e até filhos, não me preocupo. É tudo natural, é tudo programado. Um jogo sujo dos deuses, que vêem o nascimento do homem e vêem aos poucos a morte do homem, chegando lentamente (sim, como uma tartaruga na sua primeira punheta do dia). Tudo está escrito, minhas vidas e nem pense em fugir. Quem tenta fugir desse lento processo, acaba estirado no chão após se jogar domilésimo andar de um prédio, ou então, acaba pendurado, como carne no açougue, após se enforcar e ficar agonizando (burro) até sentir a mão da morte enfiando o dedinho no cuzinho.

Existem muitos outros sentimentos que não cheiram, não fedem. Acho que sou frio. Posso ser realista. Mas tô pouco me fodendo. Eu sou vivo, até quando, não sei.