segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Estetoscópios, Radiografias e Mosquitos Noturnos

o chão do hospital não é tão branco
nem as vestes dos médicos
nem mesmo os filtros dos cigarros deles
nem a luz fluorescente da sala de espera
nem o azulejo que se derrama nos banheiros
o sorriso amarelo da atendente
não é branco como gostaria que fosse
nem tudo é como quero
nem sempre estou nos lugares onde quero estar
estar é algo tão condicional, sim, as condições que a vida me dá
para estar em algum lugar
a maca que aguarda um esfaqueado nesses dias de carnaval
jaz amarelada, abandonada, ao lado do segurança que faz plantão
com seu bigode sujo de escuro café
escuro como tudo que lá está, que era para ser branco e não é
se não é branco, é preto - não existem tonalidades para a melancolia
nem para a euforia
hoje cá estou, andando com as mãos atadas, sem notícias
um vela acesa em poços de lama
ansioso, sonolento sem sono
faminto sem fome
sob a sombra tenebrosa do medo
sob a angústia de ver a vela apagar
deus, como seus olhos são lindos e fazia tempo que não os via
pena que você não podia me ver naquela hora
mas as boas novas serpenteiam sorrateiras
nessa atmosfera
em meio ao peso dos maus anúncios
do som que ninguém quer ouvir
M-O-R-T-E
amanhã tudo estará escuro como sempre foi
estetoscópios, radiografias e mosquitos noturnos
negligência e desleixo
bebedouros sem copos
ambulâncias com corpos
a madrugada está apenas começando
e eu aqui, paciente como qualquer um lá dentro
olho pra fora
acho que vai acontecer um estupro no parque da Independência
são quatro e vinte e cinco da manhã
o segurança da guarita diz: que se dane
lanço meu cigarro fora, olho pro céu e penso:
a vida continua...