quarta-feira, julho 21, 2010

Em Nome do Pai

Eu estava olhando para o teto, mais precisamente para o ventilador de teto que girava enlouquecido, fazendo pouco barulho, é verdade, mas parecia que a qualquer momento iria alçar vôo e repousar em meu pescoço, cortando-o com velocidade, me garantindo uma morte indolor. Sempre tive esse medo, e nunca soube instalar um maldito ventilador de teto com segurança. Enfim, ventilador de teto a parte, eu estava pensando na vida, ouvindo pela terceira vez o disco Hate dos Delgados. Estava sublimado com a voz da vocalista, os arranjos monumentais, mas ao mesmo tempo que eu me deliciava com cada detalhe cuidadoso da execução dos instrumentos, o refrão de ‘The Light Before We Land’ me desferia um golpe no peito, um golpe gelado, como se as dores do passado estivesse concentradas num raio e esse maldito raio escuro me atingisse com toda potência do mundo. Era a maldita sensação da nostalgia. O engraçado de tudo isso é que eu nunca ouvi esse som na minha infância – que eu saiba, eles nem existiam na época – mas uma vontade de chorar me tomava, como se eu houvesse detectado alguma lacuna vazia na minha história, algo que deixei de fazer ou algum pecado covarde de minha existência. Preparei-me para o momento em que minhas lágrimas cairiam, mas nada aconteceu. Senti meus olhos secarem ainda mais, me frustrando, afinal, esse papo de que homem não chora é pura balela. Todo homem, em algum momento na vida, precisa chorar, como se fosse um êxtase religioso, como uma iniciação em uma seita absurda ou seja o diabo que for, o homem precisa de lágrimas lavando seu rosto e sua alma. Piegas? Pau na sua bunda.

Tomei coragem para levantar da cama e verificar o estado da geladeira. Estava vazia, mas não tem nada a ver com minha situação financeira. Eu não compro muita comida, tenho o costume de jantar fora, na padaria ao lado do prédio que moro. Compro mais bebidas e a geladeira só está vazia porque estamos no fim do mês. Sem desespero. Dei uma rápida olhada no computador que estava ligado com o programa de torrents. Estava baixando um filme, ‘Em Nome do Pai’, história real e muito triste, de um pai que vai para cadeia apenas para acompanhar o filho que havia sido confundido com membro do IRA, aquele exército revolucionário da Irlanda. Enfim, tem uma boa história (jamaicanos na cadeia lambendo peças de quebra-cabeça banhados em ácido) , boa trilha sonora (Bob Marley e Kinks) e uma atuação sensacional da Emma Thompson – a desgraçada sempre teve aquela cara de velha? – como advogada do coitado irlandês. Esse filme me marcou desde os onze anos, quando o assisti pela primeira vez. Mas com todos os deuses, o fato é que uma janelinha de conversa do Messenger piscava. Era o Fernando, um dos poucos amigos que tenho. Depois da morte do Alfredo, me aproximei ainda mais dele, talvez seja pela grande semelhança entre Fernando e Alfredo. Gosto musical, repulsa por qualquer religião ou política, a vida que levam (que Alfredo levou até seu suicídio), enfim, eu me sentia extremamente completado ao conversar com qualquer um deles. Pois bem, o Fernando me convidou para ir a casa dele. Eu não gostava muito de ir até lá por um motivo de nome antiquado e ridículo: Aristeu.

Aristeu é um evangélico neo-pentecostal, daqueles que vivem com um adesivo grudado no rabo, escrito DEUS É FIEL. Vivem com uma bíblia postada embaixo de seus sovacos, e tem líderes que vivem inovando as doutrinas e o modo de usar a bíblia, guardando milhares de dólares dentro dela para enganar a fiscalização no aeroporto. Tatuam qualquer merda em hebraico na nuca e andam com uma estrela de Davi enrolada no pescoço. Aristeu é um deles. Sempre tem um versículo para se defender, mesmo que seja na hora errada, na ocasião menos favorável possível. E eu não tenho tolerância para pessoas cínicas como ele. Nem o próprio Fernando tem tolerância com o pobre diabo pois vive acertando socos na cara dele, sempre quando descamba em proferir discursos pré-calculados e copiados de seus pastores. Resolvi ligar para o Fernando, não gosto de conversas longas por Messenger.

- Fala rapaz! Como estão as coisas, Fernando?
- Opa meu jovem! Vão indo, vão indo... Ué, por que me ligou? Caiu sua conexão?
- Não, é que não gosto de longas conversas por internet, fico de saco cheio de digitar, sabe?
- Sei, então, o que me conta?
- Cara, não sei se vou aí. O Aristeu, man. Esse filho de uma puta me tira do sério. Você ainda consegue amaciá-lo na porrada, já eu tenho vontade de enfiar uma faca no pescoço daquele viado. Ele fala muita bosta, ele é persistente em reproduzir as mentiras em que acreditou, sabe?
- Eu sei, mas cola aqui, mano. Ele vai chegar tarde, hoje tem vigília na igreja dele. Estou livre dele hoje, por isso que te chamei. Além do mais, o Alberto vem também.
- Caralho, faz tempo que não falo com aquele maldito! Se é assim, logo mais to aí.
- Nelson, só uma coisa: traga uma garrafa de uísque – Fernando solicitou com voz sombria e ao mesmo tempo cheia de clemência.
- Porra, você quer quebrar minhas pernas... É fim de mês, man. Não dá pra comprar um J&B.
- Não tem problema, compre um Passport e tudo fica de boa.
- Quanto é que ta uma garrafa dessa merda? Quarenta mangos?
- Trinta e pouco, sei lá... Por aí.
- Bem, ainda é melhor que comprar um J&B. Já já eu colo por aí. Abraço.
- Abraço.

A noite aplicava um mata-leão violento na tarde, e escurecia nosso lado do planeta. E nessa putaria toda, um frio se instalava com toda a malícia que uma massa de ar polar continha. Acho que fazia uns quinze graus e fui para o chuveiro tomar um banho rápido. Olhei para o sabonete seco e cheio de pêlos, e lamentei ter esquecido de tirá-los no banho anterior. Fiquei tirando-os com as unhas, enquanto elas ficavam cheias de sabonete e pêlos grudados. Passei as unhas na parede e comecei o banho. Estava pensando em tantas coisas que acabei terminando o banho sem passar o xampu. Percebi isso ao secar os cabelos e notar uma textura áspera. Detesto meus cabelos finos. Lembro das garotas dizendo: “Olha só que cabelo liso! Ele tem um cabelo tão lindo, e nós esse bombril”. Tudo o que eu queria era meter a rola nelas e elas invejando meus cabelos. Acho que é por isso que estão caindo. Malditas vadias. No final das contas, voltei para o chuveiro e lavei o cabelo. Vesti-me no banheiro mesmo – não queria sair no frio – só calcei o tênis na sala.

Peguei as poucas cervejas que havia na minha geladeira e coloquei numa sacola de supermercado. Eu iria bebê-las no caminho. Desci as escadas do prédio e ganhei a avenida, acendendo um cigarro. Caminhei até outra avenida paralela à que moro e parei numa loja de bebidas, na verdade é uma loja de vinhos, mas eles vendiam todos os tipos de destilados também. Comprei o uísque para o Fernando e dois potes de picles. Cheguei ao ponto de ônibus e aguardei por uns cinco minutos. O ônibus chegou cheio, típico de sexta-feira. Ele ia até o metrô São Judas. Desci lá mesmo e caminhei uns dez minutos até a rua Major Freire. Ele mora num bom apartamento de dois quartos, cheio de comércio ao redor, pizzarias, farmácias, um sucesso de bairro. O porteiro não gosta de mim, pois me olhou com desdém, porém ao remexer em suas memórias, lembrou de algumas noites em que estive lá, quando o barulho foi insuportável e os vizinhos ameaçaram chamar a polícia.

- Vê se pega leve essa noite, hein? – o porteiro solicitou com voz suave porém firme, enquanto eu atravessava a entrada do prédio.
- Relaxa, chefe. O Aristeu não está hoje para torrar o meu saco – respondi erguendo meu polegar positivamente.
- Coitado do Aristeu, não sei o que vocês vêem de tão ruim no coitado. Ele é decente, trabalhador e vai na igreja.

Fiquei intrigado com a disposição do porteiro em defender aquele porra do Aristeu.

- E o que o faz decente? Trabalhar? Ir à igreja? – destilei meu veneno com todo sarcasmo disponível.
- Sim, ao menos o pessoal da minha igreja é tudo gente honesta, rapaz. Gostam de trabalhar e não causam problemas.
- Ah sim, eu deveria desconfiar! Vocês estão em todos os lugares! Deus eterno!
- Nós quem? Evangélicos?
- Sim, vocês evangélicos... Com esse papo de honesto, trabalhador, digno... Ahhh! – dei um grito de desespero e desisti – olha, o Aristeu não está aqui e isso me faz feliz. Você não vai estragar minha noite.
- Jesus te ama! – exclamou o porteiro me entregando um folheto.
- Guarde isso pra alguém que agüente toda essa merda, chefe. Boa noite – me despedi andando apressadamente até o elevador.

Cheguei no corredor do oitavo andar e o cheiro era de feijão cozido. “Quem diabos resolve cozinhar feijão numa sexta à noite” e toquei a campainha do apartamento de Fernando.

- Graaaande Nelson! Dá um abraço aqui! – Nelson me cumprimentou calorosamente, tomando de minhas mãos a sacola com uísque.
- Fala, meu velho! Caralho, deixa de ser compulsivo, seu porra – respondi ao perceber a sacola sendo tomada de minha mão.
- O uísque acabou e como você disse, é fim de mês e só você tem limite bancário por aqui!
- Maldito rato – adentrei o apartamento e fiquei observando a decoração esculachada.

Apenas o computador na sala, dois sofás, uma televisão e dois quadros: um com um palhaço triste, a breguice em forma de arte, e o outro exibia uma paisagem praiana, o típico marasmo artístico. O sofá cheio de manchas, sabe Deus do quê. O computador jazia numa escrivaninha sem a mínima conexão visual com o resto da sala. Uma bíblia permanecia ao lado do monitor. “Graças a Deus o Aristeu não está aqui”, pensei.

- Então, pedi duas pizzas, acho que é o suficiente, não? – Indagou Fernando enquanto servia duas doses de uísque com gelo.
- Ué? E quem vai pagar por elas? – nesse momento meu saldo bancário apareceu em minha frente, como se estivesse estampado na parede, em neon.
- Eu tenho o vale-refeição ainda, Nelson. Só que ninguém vende bebida com VR.
- Caralho, que susto. Você tem essa mania de me quebrar as pernas, Fernando, vai se foder, rapaz...
- Fica frio, mano. O VR aqui tem uma boa quantia pra torrar.
- E por que não vendeu o VR pra comprar bebidas?
- Os caras estão descontando quinze por cento na venda! Nem fodendo que vou entregar quinze por cento de bandeja assim!
- Malditos desgraçados! Quinze por cento? Santo Padre!
- Pois é, mano. É uma boa grana, dependendo da quantia que você vai vender.

Brindamos às almas dos compradores de VR e desejamos suas mortes. Bebemos nossos primeiros goles.

- E onde diabos está o Alberto? – perguntei cutucando os gelos de meu copo com os dedos.
- Vem mais tarde. Ficou atolado de trabalho, o cara ta estressado pra caralho. Uma hora ou outra ele tem um colapso.
- Cara, meu trabalho também está cheio de pepinos, por todos os lados. Aqueles judeus estão metendo no rabo de todo mundo por lá. Eles não têm a mínima noção comercial, não manjam porra nenhuma de marketing e um dos diretores é metido a sabichão, sabe? Leu de tudo um pouco, vive com aquela postura de arrogância, olhando para todo mundo, como se todos fossem lixo, puro lixo.
- Eu sei qual é a desses caras... – Fernando afirmou com olhar penetrando um baseado, o qual enrolava lentamente.
- Mas o cara curte Harry Potter. Ele é o típico boçal que tem grana, mas ainda não descobriu que dinheiro não compra inteligência.
- É, estamos cheios desses tipos... humm... por aí... – ele continuava concentrado no enrolar perfeito do baseado.
- Malditos judeus. Cara, eles se acham o povo escolhido, se acham acima de qualquer coisa dentro daquela comunidade de retardados. Um amigo meu tentou se converter ao judaísmo...
- Pelas barbas de Moisés, pra quê? – Fernando me interrompeu.
- Sei lá, ele tem grana, tem classe e diz ele que o pau dele foi circuncidado por causa da boa e velha fimose. Tava com a faca e o queijo na mão, mas o maldito rabino cortou o barato dele. O coitado foi a uma entrevista com esse rabino, e o judeu o ouviu, ficou com olhar disperso, dizendo centenas de ‘ahãs’ e toda aquela ladainha de bom ouvinte. E o meu amigo ficou com todo aquele papo de “sempre fui apreciador e amante da cultura judaica” – cadê a garrafa do uísque? – interrompi a conversa.
- Vou lá buscar, peraê.

Fernando chegou com a garrafa de Passport, sentou e deu um suspiro profundo, serviu os dois copos e correu até a cozinha pois havia esquecido das pedras de gelo. Voltou e concluiu o serviço.

- E aí? O que aconteceu com seu amigo? – Fernando deu um bom gole em sua bebida.
- Então, o rabino apenas disse que iria apreciar a conversa que tiveram e iria conversar com anciãos da sinagoga e tudo mais. O fato é que nunca entraram em contato com ele, e o rabino vivia dando perdidos no pobre diabo. Ele ficou revoltado e começou a compartilhar da mesma opinião que a minha: são todos uns excluídos da sociedade, vivendo em seus círculos de amigos com a ponta da rola cortada, se metendo em bar-mitzvas, brindando suas bebedeiras gritando “l’chaim!” e fazendo cara de cu quando avistam uma boa feijoada, cheia de porco morto boiando.
- Por isso que o Hitler jogou os caras nas câmaras de gás – Fernando acenou para o nada enquanto mastigava um pedaço grande de picles.
- Sim, eu cresci vendo filmes como a Lista de Schindler, O Pianista, A Vida é Bela entre outros milhões deles, me acostumei a sentir dó daquele povo, mas à medida que você cresce, vai percebendo, sabe? – peguei um pedaço de picles e o mastiguei.
- É... O único judeu que se salva é o Woody Allen.
- Concordo. E também gosto do Adam Sandler. Só não gosto da mania dele em pôr sempre algo que nos faça lembrar a maldita estrela de Davi ou a cultura deles, comida kosher e essas esquisitices de povo semita branco.
- Eles são brancos pelo tempo que passaram sugando os países da Europa, como Alemanha, Áustria, Polônia, Rússia... – Fernando me lembrou esse fato e levantou rumando para a cozinha.
- Para o inferno com eles, só isso que tenho a falar. São alienígenas e ponto final.

Acendi um cigarro e fiquei olhando o maldito quadro do palhaço.

- Fernando, quem pintou essa merda aqui? – perguntei enquanto expelia fumaça pela boca.
- Minha mãe – respondeu com voz falhada e constrangida, enquanto pegava umas latas de cerveja.
- Que bosta, hein? Você gostava do Bozo?
- Claro, quem não gostava?
- Eu. Nunca achei graça naquele palhaço com cara sádica. Um dia liguei pro programa dele e mandei ele tomar no cu. Ele me respondeu que não gostava de tomate cru. Eu dei muita risada com a cara constrangida que ele fez – bati a cinza do cigarro no cinzeiro e o repousei para dar uma mijada rápida.
- Confesso que ele era um tanto assustador. Mas o conjunto da obra era bom. Papai papudo, vovó Mafalda, toda aquela música! Caralho, lembro dos tempos da escola, eu chegava em casa, jogava a mochila no sofá e ligava a TV para assistir o Bozo! – Fernando exclamou com entusiasmo e olhar saudosista.
- Preferia ver o Chaves! E o SBT ainda era TVS, lembra? – perguntei enquanto sacudia meu pau.
- Cacete, é verdade! Lembra das vinhetas de natal, com todas aquelas canções calorosas, em harmonia? Meu, que bosta, vâmo parar com esse papo. Tá me deixando sentimental demais – os olhos de Fernando brilhavam.
- Que bichona! Dá uma cerveja aqui – tomei uma lata das mãos dele enquanto ele estava em transe, lembrando da infância.
- Você é um coração de pedra, Nelson. Não tem nada que te lembre a infância?
- Claro que sim! Estava viajando num disco dos Delgados, o Hate, sabe?
- Não, nunca ouvi – Fernando franziu a testa.
- Depois eu te mostro – tomei um gole da cerveja que estava trincando -, o que eu achei estranho é que os Delgados são uma banda que aprendi a gostar depois dos meus vinte anos. Mas eles me fizeram viajar de volta à infância. Meu peito ardia, me deu vontade de chorar.
- Que bichona... – Fernando sussurrou com tom de deboche.
- Pau na sua bunda, man – o interfone do apartamento tocou.

Fernando atendeu e autorizou a subida de Alberto. O miserável do Alberto. Talvez o cara mais tranquilo que conheci na vida. Sua fala era bem mansa, suas pálpebras permanentemente semicerradas, e a boca dele estava quase sempre fechada, como se estivesse sempre por bocejar. O andar dele era uma espécie de rastejar vertical, e sua postura sempre inclinada para frente, com os ombros curvados e a cabeça baixa. Parece que estou falando de um derrotado, mas não, ele até se dava bem na vida. Trabalhava como estagiário de direito num escritório de advocacia, ganhava razoavelmente bem, mas vivia enlouquecido com tanto trabalho, com tantos processos a analisar. Diferente de mim, ele tinha um chefe genuinamente brasileiro e muito gente boa. Quando estava fora da opressão de seu curto expediente, Alberto irradiava um bom-humor contido porém agradável. Conhecia muito sobre música e nunca perdia tempo com as mulheres.

- Alberto, seu miserável! – me levantei e fui abraçá-lo.
- Deus do céu, Nelson! Deixou a barba crescer? – e me abraçou forte, talvez devido ao tempo, seis meses eu acho, que não nos víamos.
- Porra, o que anda fazendo de bom nessa vida desgraçada? – me perguntou enquanto recebia de Fernando uma lata de cerveja.
- Ah, entrei numa empresa de importação. Trabalho no comercial, mas ta uma merda sem igual. Meu chefe é um bosta arrogante. E você, ainda no estágio?
- Sim, logo logo concluo o estágio, e tudo indica que serei efetivado. Assim espero – deu um gole curto na cerveja e deixou um pouco da bebida escorrer pelo canto da boca –, cacete de cerveja! – foi ao banheiro secar a boca na toalha de rosto.
- Não Alberto! – gritou Fernando –, o merda do Aristeu vai chiar se sentir cheiro de cerveja nessa toalha!
- Pau no cu do Aristeu! – Alberto colocou a toalha dentro de sua cueca e começou a simular uma punheta.
- Puta merda, puta merda! Agora você que ponha esse pano pra lavar!
- Parece uma porra de uma dona de casa, Fernando! Relaxa! Você não disse que o crente não vem hoje?
- Sim, mas porra, deixa de bagunça. Quero que o Aristeu se foda. Você já ta bêbado? – Fernando perguntou enquanto chutava a toalha de rosto até a lavanderia.
- Ainda não. Só to curtindo com sua cara. De boa, hahaha! – Alberto dava risadas altas.
- E por que tanta alegria, Alberto? Tá confiante pra caralho, tudo isso é porque você vai ser efetivado? – perguntei abrindo outra lata.
- Também, mas cara, eu to com tanto estresse que o meu chefe me deu uma semana de licença para descansar – Alberto se assentou no sofá, com um sorriso largo no rosto.
- Caralho, o que você fez para isso acontecer? Matou alguém? – perguntei, preparando-me para anotar as dicas.
- Ah, um viado chato, não é viado, na verdade to só ofendendo. É um gordinho puxa-saco do chefe. Fofoqueiro pra caralho, vocês precisam ver pra crer. Ele simplesmente é viciado em fofoca e intriga. Tem uísque pra mim aí, Fernando? – Alberto interrompeu seu próprio relato.
- Vem cá pegar, seu lixo! – Fernando estava estritamente irritado com a toalha de rosto violada sexualmente.

Alberto levantou-se e começou a preparar o seu drinque, enquanto continuava seu relato.

- Então, o gordinho veio fofocar comigo. Ele sabia que eu não curtia fofoquinha. Quando ele veio falar do Gouveia, um office-boy gente boa pra caralho, eu o expulsei da minha sala na base do ponta-pé! – Alberto falava empolgado e em voz alta.

Eu dei muita risada, meio incrédulo. Ele voltou ao seu posto no sofá.

- O chefe sabia que o gordinho era um puxa-saco do caralho. Mas ele detectou um estresse cada vez maior nas minhas atitudes. Ele me chamou pra conversar. Eu pensei “santa merda, to fodido!”, mas ele reservadamente me propôs uma licença. Eu fiz cara de sofrido, e aceitei com um tom de relutância.
- Bem, acho que vou espancar o psicólogo do RH da minha empresa. É um moleque e esse é viadão mesmo. Gosta de intriga, vive puxando o saco dos diretores. É repugnante. E ainda acha que tem uma carreira brilhante pela frente – me exaltei erguendo a lata de cerveja.
- Pois então, dê uma boa surra nele, oras! – Fernando se intrometeu na conversa, voltando a sala, sentado na cadeira da escrivaninha.
- Vontade eu tenho. O problema é que aquele bando de judeus vai pirar e me mandar embora por justa causa. Eles já não vão com a minha cara. Tudo que eles querem é dançar Hinei Matov em cima do meu túmulo! – minha voz continuou exaltada.
- Então por que você não explode aquela merda, bem no estilo Hamas de vida? Hahaha! – Alberto propôs com deboche em cada letra que saía de sua boca.
- Vou mandar uma cabeça de porco embrulhada com a bandeira do Irã, lá pra casa dele no Higienópolis! – enfim assumi a mente de um palestino sanguinolento.
- Falando nisso, comi uma judia, há um tempo atrás. Estava curtindo um som no Milo e um amigo estava de olho numa branquelinha, feito neve, cara, vocês precisavam ver! Aí ele agitou uma amiga da garota para mim. Final da história: acabamos cada um num quarto. Olhei para o meu lado e estava uma garota linda que só vendo mesmo. Ela estava pelada, e a cama cheirava a lubrificação de camisinha – Fernando começava a se empolgar com seu relato – olhei pra baixo e eu estava pelado. Cutuquei o corpo dela e ela estava peladinha. Dei uma cutucada na buceta dela e ela apenas mexeu a boca e virou de costas para mim. Enfiei meu pau nela e nada dela se manifestar. Foi lindo. Gozei nela, foi bom demais. Tomara que tenha engravidado, aquela vaca.
- E seu amigo? – perguntei extremamente curioso.
- Porra, isso foi o mais engraçado. Ele saiu do quarto dele ao mesmo tempo em que eu saí do meu! Nos encontramos no corredor, só de cueca e camiseta e perguntamos quase ao mesmo tempo: onde a gente ta? Demos risada e fuçamos a geladeira das safadas. Pegamos um vinho e bebemos rapidamente. Comemos umas pizzas geladas, nos vestimos e fugimos. Queira Deus que eu tenha engravidado a vaca – Fernando fazia gestos simulando uma barriga grande.
- Caralho, isso que é uma boa história! – Alberto comentou em voz alta enquanto ia até a cozinha atender o interfone.

A pizza havia chegado. Uma de peperoni e outra de frango com catupiry. Alberto foi com relutância buscar as pizzas. Eu me prontifiquei a pegar mais umas latas de cerveja. Alberto chegou e comemos em silêncio, mas rapidamente. Comemos quase tudo, deixando uma pizza de cada sabor sobrando. Guardamos na geladeira e nos concentramos em finalizar a garrafa de uísque.

- Esse papo de judeu, já deu no saco. Vamos falar de outra coisa, sei lá. – Fernando propôs buscando nossos olhares, que estavam dispersos, observando os quadros.
- Cara, sabe o que os judeus têm mais que eu? – perguntou Alberto.
- Dinheiro, mulheres? Saúde? – respondi com um leve sorriso contornando minha boca.
- Não. Eles têm mais É QUE SE FODER! Hahahaha!

A risada foi generalizada. Fernando engasgou com a cerveja que bebia no momento da conclusão da piada.

- Sabe como é que cabem vinte judeus num fusca? – comecei a minha piada.
- Sei lá, porra, como? – Fernando estava curioso e se inclinou esboçando uma risada.
- Coloque eles no cinzeiro! Hahahaha! – comecei minha gargalhada conduzida pelo meu estado alcoólico.

Novamente a risada foi generalizada. Fernando fazia sinal de que estava sem ar e começamos a rir mais ainda. Estávamos bêbados feito gambás alegres. Alberto nos alcançou heroicamente e já tinha seu bom e velho olho semicerrado de volta.

- Eu queria gravar essa nossa conversa e mandar para meu chefe! Ele ia surtar! – exclamei enquanto finalizava mais uma lata de cerveja.

A campainha tocou nesse momento. Logo após ouvimos batidas. Nos entreolhamos e todos ficaram com cara de surpresa. Fernando foi até a porta, verificar quem batia, através do olho mágico. De repente o Fernando virou bruscamente para nossa direção, e fez uma cara de maníaco frustrado. Certo ódio e traços de melancolia misturados em seus olhos. Eu saquei na hora: Aristeu, o crente filho de uma puta suja.

- Abre a porta logo, Fernando! Quero ir ao banheiro! – Aristeu estava impaciente, dando pequenos passos para todas as direções possíveis, segurando seu pinto.
- Peraê! – Fernando voltou à porta e destrancou-a.

Aristeu olhou para o estado da sala, parou por um tempo e foi correndo até o banheiro. Aliviou-se e após lavar suas mãos, notou a ausência da toalha de rosto.

- Fernando, cadê a toalha de rosto? – perguntou com a cara molhada e os olhos fechados.
- Sei lá, onde está? Você viu? – Fernando respondeu com deboche.
- Caramba, como vou secar meu rosto?

Percebi que a noite seria longa.

- Seque com a sua toalha de banho, Aristeu! – me intrometi, sugerindo uma solução rápida.

Aristeu me ignorou e continuou perguntando a Fernando sobre o paradeiro da toalha de rosto.

- Aristeu, vá se foder, ta ouvindo?! Se não vou aí quebrar sua cara! – Fernando respondeu lá da cozinha, com voz irritada.
- Pra variar, a resposta de um animal. Meu Deus! – Aristeu retrucou com semblante arrogante.
- Vá para o seu quarto se não quiser morrer de câncer com a fumaça de nossos cigarros! Aliás, vá se foder! Por que você não está na vigília de oração da sua igreja? – Fernando queria conflito, queria briga.
- Foi remarcada para a próxima sexta-feira. O pastor está gripado. Hoje foi um culto normal mesmo.
- O pastor ta gripado? Por que Jesus não o curou, porra? – Fernando realmente queria treta.
- Ele é um ser humano e adoece como todo mundo. Ele não se autonomeou apóstolo de Cristo? Porra, o cara é um semideus!
- Você precisa ser mais tolerante, mais educado, Fernando. Deus tenha misericórdia de você – Aristeu nem se deu ao trabalho de olhar para mim ou para o Alberto.
- Enfia essa misericórdia no seu rabo, por favor!

Aristeu se trancou em seu quarto para se trocar. Ligou a televisão na rede Gospel e ficou por um tempo em sua cama.

- Bem, acho que dá pra gente continuar bebendo e trocando ideia. O que acham da gente ir naquele mercadinho vinte e quatro horas para comprar mais um uísque? – Fernando propôs com olhar malicioso.
- Eu voto em vodka – me manifestei.
- Eu também. Um pouco de vodka não fará mal, man – Alberto complementou minha ideia.
- Com todos os diabos, que assim seja – Fernando finalizou o pequeno concílio alcoólico.

Rumamos para a loja, fumando cigarros e falando sobre mulheres. Apenas Fernando estava mal vestido, com um short pequeno demais para os padrões masculinos do século vinte e um, e com um chinelo Rider. A camiseta era do Queen. Eu gostava muito de Queen. Nós três gostávamos.

Ao voltar para o apartamento, o porteiro me fuzilou com os olhos e eu bêbado retruquei levantando meu dedo do meio para ele. Ele olhou para frente e permaneceu parado, com postura ereta, como se estivesse vendo um coral de anjos em sua frente. Não entendi a reação covarde dele. Chegamos à porta do apartamento e uma surpresa: estava trancada.

- Abre essa porra, Aristeu! Abre essa porra! PUTA QUE ME PARIU, EU VOU MATAR VOCÊ! – Fernando libertou seus demônios e gritava com ódio, com todo o ódio do mundo concentrado. Pensei que apenas os gritos dele derrubariam a porta.

O interfone tocou no apartamento. Aristeu não foi atendê-lo.

- Tá vendo? Já tem vizinho reclamando! Tá vendo, porra?! – Fernando se dirigia à gente apontando para a porta, completamente contrariado.

De repente, como se um duende tivesse sussurrado em seu ouvido, Fernando se lembrou da chave reserva, que fica dentro da mangueira de incêndio do corredor. Enquanto Fernando destrancava a porta, podíamos ouvir o barulho do calcanhar de Aristeu cada vez mais distante. Com certeza estava correndo de volta para seu quarto. Quando entramos no apartamento, as luzes estavam apagadas, o computador desligado, e Aristeu havia comido as pizzas que sobraram. As cervejas estavam intactas.

- Abra essa porra de porta, seu viado maldito! ABRAAA! - Fernando iria matá-lo e eu não iria me meter.

Nunca gostei daqueles sujeitos que apartam brigas. Eu gosto de ver o circo pegar fogo. Alberto bebia outra lata de cerveja e servia uma dose de vodka. Pedi que servisse em meu copo também. Ele ligou pacientemente o computador e clicou no iTunes. Em seguida clicou em ‘Diamond Sea’ do Sonic Youth. A música tem quase vinte minutos de piração ruidosa, mas conta com uma linda canção. E ela começou linda, que harmonia maravilhosa. E Fernando continuava ensandecido junto à porta de Aristeu. E foi assim por trinta minutos, até a fera acalmar.

- Uma hora você vai ter que me encarar, seu corno do caralho!
- Tenha uma ótima noite, Fernando! – Aristeu o provocou.
- FILHO DE UMA PUTA, EU VOU TE MATAR! – Fernando se inflamou novamente – É melhor virar politeísta, porque um só deus não vai te livrar de mim, seu crente sujo, maldito!
- Essa foi boa, hahaha! – comentei, tentando descontrair o Alberto que parecia um pouco tenso.
- Foi realmente boa, Nelson. Só não quero ver o que o Fernando vai fazer com o crente-rabo-quente!
- Orei muito por você hoje, Fernando. Deus vai te transformar – Aristeu novamente lançava sua arma espiritual, a intercessão não solicitada, a oração que ninguém pediu.

Enfim Fernando voltou à sala e sentou no sofá. Servi uma dose dupla de vodka para o coitado que estava uma pilha de nervos. Ele bebeu lentamente, porém sem interrupção. Matou o copo todo. Acendeu um cigarro.

- Sabe o que acho? O Aristeu é como noventa e nove por cento dos crentes que existem: se fazem de santos, decoram alguns versículos para autodefesa e vão a igreja pra arranjar namoradinha. Eles casam cedo pra poder transar logo, se bem que tem muita crente-rabo-quente que dá o cu pra não perder a virgindade na buceta. Eu já comi mulher crente assim! Regulava aquela buceta velha mas deixava eu gozar no rabo dela! Olha só que cínica do inferno!
- Acho que todos nós comemos uma crente-rabo-quente – dei o meu testemunho relâmpago.
- Época boa era quando os crentes não estavam na mídia, na boca do povo. Eles eram mais puros, falavam mais de Deus e nem pensavam em entrar na política. Agora eles querem adequar a igreja deles com o mundo! Porra, deixe a gente em paz! – Fernando continuou.
- Já ouviram o rock gospel? – perguntou Alberto – totalmente sem referência. Rock feijão com arroz, sem graça, sem inovação. É só pra pegar os trouxas que se converteram e os deixar interessados na igreja. Vivem dizendo: “vamos pegar o rock que era algo para o diabo e dedicá-lo a Deus!”, porra, por que eles não pegam o ramo pornográfico e não o dedicam a Deus também? Já pensou? Suruba Divina 2! Hahahaha!
- Eles podiam criar os atores pornôs de Cristo, o que acham? Hahahaha! – Fernando finalmente se descontraiu.

Aristeu saiu de seu quarto enfurecido com os nossos comentários. Esqueceu do ódio de Fernando e do risco de morte que estava correndo.

- Isso! Parabéns! – Aristeu batia palmas com cara de impressionado – Continuem a usar o nome de Deus em vão!
- Ah! Mas só me faltava essa! Seu filho de uma puta! – Fernando se ergueu para espancá-lo, mas Alberto e eu o seguramos.

Eu realmente não gosto de sujeitos que apartam brigas, mas queria ouvir o que ele tinha a dizer.

- Continue, Aristeu, seu bosta – finalmente o insultei.
- Sem ofensas, Nelson, sem ofensas. Vocês usam o nome de Deus em vão e o próprio Senhor disse que não inocentaria quem fizesse isso. Vocês não temem a ira de Deus?
- Vamos lá, Aristeu... Me responda: qual é o nome do seu deus? – perguntei com olhar desafiador.
- É Deus, mas pode ser Senhor, Todo-Poderoso, Senhor dos Exércitos... Uma infinidade de nomes.
- Cacete, mas ele não tem nome? Os hebreus foram originais, hein? Os indianos têm milhões de deuses e todos têm um nome. Os babilônicos tinham seus deuses, todos identificados.
- Mas existe um nome que está acima de todos os nomes! Jesus! Jesus Cristo! – Aristeu se entusiasmou e ergueu o olhar e os braços de forma teatral.
- Ué, mas você não é monoteísta? Não serve a um deus apenas? Por que tem dois nomes? Ou tantos nomes, como você citou?
- São três pessoas numa só, Nelson. Você sabe disso!
- Não, eu não sei. Às vezes você ora a Deus em nome de Jesus. Às vezes ora a Jesus em nome de Jesus. Às vezes você ora a Deus em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Mas o Espírito Santo só é a voz da consciência, nunca é invocado ou adorado. Por que essa confusão toda?
- Não vejo confusão nenhuma. É apenas uma concepção de Deus diferente das outras – Aristeu havia abandonado seu entusiasmo.
- Mas esse Deus que na verdade é uma fusão de três pessoas, é meio dividido, não? O Pai manda, o Filho obedece, o Espírito Santo obedece. Mas no final das contas nem o Filho, nem o Espírito Santo foram criados pelo Pai, sempre existiram junto a Deus, certo? – eu estava chegando ao ponto que queria.
- Deus é eterno, ninguém o criou. Isso é óbvio – Aristeu mostrou desprezo em sua resposta.
- Então quem criou a hierarquia entre pai e filho lá no céu? Alguém é mais forte pra mandar naquela porra, não é?
- Não chame o céu de porra.
- Mas alguém manda no céu, né? Então essa trindade é mais confusa do que a gente imagina!
- Não chame o céu de porra – repetiu com o olhar soturno e disperso.
- Mas eu já parei. Quem repete frase é porque perdeu a razão, Aristeu – Alberto se infiltrou na conversa.
- Você não foi chamado na conversa, Alberto – Aristeu continuou com o mesmo olhar.

Fernando não se continha e sussurrava a toda hora que iria acertá-lo na cara, pra desmaiá-lo. Aristeu ainda tinha marcas de uma surra que tomou de seu companheiro de apartamento, após uma discussão que envolvia o sangue de Jesus, a besta do Apocalipse e uma conta atrasada da internet.

- E aí, Aristeu. Afinal, como você pede pra gente não usar o nome de Deus em vão se você nem sabe quem é quem no céu? – retomei a discussão de forma bem civilizada.
- Por que você me importuna com tantas perguntas idiotas? Vocês não vão me desvirtuar do caminho de Deus, nunca! – Aristeu claramente sem razão apelava para o emocional.
- Caralho, o caso dele é grave. Catarata espiritual, man! – Alberto constatou rapidamente a doença de Aristeu.
- Vocês é que estão cegos. O pecado cegou seus olhos para a verdade. A sabedoria de Deus é loucura para o mundo! – Aristeu usou mais um chavão pré-fabricado.
- Eu vou pegar ele de porrada agora! – Fernando se levantou novamente e jogou a vodka de seu copo no rosto do crente acuado.
- Isso! Por amor a Cristo, eu sofro essas afrontas! Glória a Deus! – Aristeu ergueu suas mãos e falava algo com voz inaudível, como se fizesse alguma prece secreta.
- Isso se chama lavagem cerebral, pessoal. O cara ouviu tantas mentiras, durante tanto tempo, que não consegue se livrar, não consegue raciocinar, mesmo com tantos argumentos lógicos. Ele é um maldito caso perdido – acendi um cigarro fazendo sinal negativo com a cabeça.
- Ao menos ele já ta os miolos fodidos. Tenho um primo que é um devasso desgraçado, vive traindo a namorada, fala um monte de merda e participa de uma igreja, apresenta uns programas evangélicos para jovens no canal deles. Mas sabe por que ele não sai da igreja? Por que só consegue status lá. Às vezes ele sai da igreja, mas volta, porque tem um bom status lá, ele se acostumou àquele ambiente. Mas eu nunca vi nenhuma obra cristã dele – Alberto falava enquanto buscava o maço de cigarros em sua jaqueta.
- Eu conheço esses tipos... Acho que todo mundo conhece – complementei.
- Vocês não falam nada com nada. Vou orar por vocês agora...
- Ah, mas não vai mesmo! – Fernando agarrou o pijama de Aristeu e o puxou.
- Deixa, Fernando! Deixa ele ter seus minutos de atenção. Eu já saquei a dele! – supliquei ao meu amigo, que largou o pijama de Aristeu.
- Senhor Deus, obrigado por mais esse momento onde a luz resplandece sobre as trevas. Obrigado pela vida de cada um que está nessa sala. Peço que o Senhor não considere as palavras deles, palavras de blasfêmia, de afronta ao Criador. Abra os olhos deles para a tua verdade que é a única que salva e liberta. Liberte-os, Pai, de toda opressão satânica, de todo mau costume, de todos os seus caminhos errados. Assim eu oro, em nome do Pai...

Fernando interrompeu a oração acertando um murro na boca de Aristeu, que estava de olhos fechados e se mantinha bem concentrado em sua intercessão. Desabou no chão e desmaiou como uma donzela sonolenta. O sangue vertido ganhava cada vez mais território no chão do apartamento. Eu ainda fui até Aristeu para verificar se o mesmo estava vivo.

- Que vontade de incendiar esse corpo desgraçado! Filho da puta metido à mártir cristão! Tudo é um teatro, tudo é como na época dos apóstolos, quando o pau comia solto. Porra, se ele não falasse tanta merda, eu o deixaria em paz. Mas ele insiste em querer me converter! – Fernando falava cabisbaixo, olhando para Aristeu desmaiado e ensanguentado.
- Precisamos mudar para a Europa, meu amigo. A cada ano que passa, o número de crentes-rabo-quente está aumentando. Você já imaginou essas igrejas escandalosas dominando nosso país? – perguntei enquanto repousava minha mão em seu ombro.
- Enquanto houver razão e bons argumentos, quero ver quem se atreve a me evangelizar, Nelson.

sexta-feira, julho 16, 2010

Uma Foda Empatada

São Paulo é uma maldita cidade tropical. O calor é só um ingrediente picante dentro do caldeirão infernal que essa selva falida reúne. Poluição, ar seco, muito barulho e cheiro de sovaco sofrido. Mas quando o frio assalta o clima, ele vem como um arrastão carioca. Se na segunda-feira você praguejou contra o calor, pode ser pego de surpresa no dia seguinte ao acordar. Você acorda inconsciente de madrugada atrás de um edredom ou cobertor para aliviar a brisa gelada que se abriga no escuro. Hoje é um dia desses. Acordei e já era uma da tarde, com o nariz gelado e tossindo ainda mais que o comum. Quando fui dar a mijada matinal, mal encontrei meu pau entre os pentelhos e adivinhem só: errei a mira e acabei molhando o chão. Toquei a descarga e fui procurar um pano de chão, mas lembrei que todos estavam deploráveis e jogados na lavanderia, esperando a minha misericórdia, quando eu os lavaria. Bem, após todo o trabalho desgraçado para limpar o banheiro, olhei para o calendário na cozinha e agradeci aos céus por hoje ser primeiro de maio, o dia internacional do trabalho. Sempre me perguntei o motivo dos trabalhadores descansarem justo no dia que homenageamos o labor. Hoje eu não me questiono, apenas relaxo. Quando faz muito frio, eu pareço um maldito inglês das músicas dos Kinks. Preguiçoso, bêbado e rejeitado. E para mim, o modo mais prazeroso de descanso é me recolher em meus pensamentos, bebendo até adormecer. Geralmente escolho um repertório triste para o frio e hoje não foi diferente. Os Kinks, que para mim foram melhores que os Beatles e os Rolling Stones, lideraram a minha parada pessoal de sucesso. Assim como um marujo britânico e barbudo em algum bar de má fama na zona portuária, me postei a beber e raciocinar sobre temas diversos. Fiquei juntando peças da minha vida, mas vi que o quebra-cabeça estava bem incompleto por sinal. ‘Sunny Afternoon’ começou a tocar e me identifiquei totalmente com a letra. O sentimento de perda e falta de orientação me assolou e assombrou. Acendi um cigarro e estou aqui estático:

My girlfriend run off with my card
And gone back to her ma’ and pa’
Telling tales of drunkenness and cruelty


Tá certo que a Bárbara não fugiu com meu cartão, mas eu realmente não sei o que ela vai dizer aos pais sobre mim. Talvez algum papo sobre eu ser um grande bêbado, mas cruel? Talvez eu seja bem cruel comigo mesmo, mas tenho sido um bom amante. Mas não um bom companheiro, seja lá o que isso signifique. Eu sempre canso as minhas namoradas, eu sempre sou acusado de não ter ambições, mas com todos os diabos, eu não nasci para ambicionar, para passar por cima das pessoas em prol de meus objetivos. Sei lá, acho que não me vendi para o capeta e pago o preço com essa vida pacata e miserável. As mulheres são realmente farinha do mesmo saco. Se um homem não pode garantir estabilidade financeira, a mulher descamba para outro. Malditas sarnas do demônio. Estou bem aqui sozinho, aliás, acho que já estou começando a divagar demais. Estou bêbado.

O telefone tocou. Era o Maulin, um bom camarada porém muito estressado. Ele chegou ontem lá pelas oito da noite e só saiu às duas da madrugada após ser enxotado por mim, segundo seu relato. Quando bebo acima do suportável, tenho o péssimo costume de expulsar as pessoas de minha casa. Acredito que a Bárbara irá relatar isso aos pais dela. Que ela vá para o inferno, antes que eu me esqueça. Maulin vai aparecer mais tarde pra gente terminar as duas caixas de cerveja que sobraram aqui. Isso se eu não acabar com tudo antes.

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Nelson foi despertado pelo telefone que tinha um toque muito alto. Pulou do sofá de dois lugares completamente manchado por todos os líquidos imagináveis e correu para atender a chamada.

- Pois não – Nelson atendeu o telefone tentando desenrolar o fio do aparelho.
- Nelson, é o Maulin. Mudança de planos. Temos duas opções: ou vamos ao Tchê jogar uma sinuca e beber ou você vem pra cá.
- Pra cá onde?
- Meu apê. A Agnes não está se sentindo muito bem, está meio tonta. Nem vai rolar deixá-la aqui sozinha. E ela disse que prefere ir ao Tchê a ir na sua casa.
- Você não engravidou a desgraçada, né?
- Pelo amor de Deus, Nelson, vai se foder... Você sabe que não existe nada entre eu e aquela drogada.

Agnes era uma mulher alta, cabelos ondulados e castanhos, assim como eram seus olhos. Trinta e sete anos, assim como era o tamanho do pé. A cara era de um desgaste descomunal, graças a anos de frustrações e bebedeiras como escapatória. Havia largado as drogas, mas todas as substâncias químicas haviam comprometido seu modo de pensar e reagir a certos imprevistos da vida. Ela estava rumando para a plataforma da loucura e Maulin era o único ser que se locomovia na Terra que podia suportá-la, dando moradia a ela.

- Sei. Bem, essa Agnes é fresquinha, hein? Só porque aqui é um pouco sujo? E não quero ir ao Tchê. Não dá mais pra fumar lá, e você sabe que sinuca e rock sem cigarro não rola. Maldito José Serra e essa lei anti-fumo. Aguarde a lei anti-sexo, man. Aguarde! – Nelson levemente embriagado sempre deixava aflorar seu lado esquerdista.
- Ei, ei! Não vai começar com essas porras de discursos! E então? Vem pra cá?
- Tá certo. Deixa eu me recuperar dessa dorzinha de cabeça e já saio daqui. Inté.
- Inté.

Nelson foi até a cozinha para comer algo e olhou para as caixas de cerveja. Pensou que teria que levá-las na mão. Praguejou um pouco e cortou um pedaço da peça de queijo que estava na geladeira. Abriu um pão francês e ao passar manteiga nele, pensou que deveria ter colocado o queijo dentro. Bocejou e comeu o pão com um pouco de café velho esquentado no micro-ondas. Após a pequena refeição, trocou de calça e colocou uma camisa xadrez. Amarrou o cadarço do tênis e foi até a cozinha para pegar as caixas de cerveja. Flagrou uma barata perto do fogão e pulou em cima dela, fazendo o sangue branco e viscoso do inseto se espalhar por um longo raio de alcance.

- Deus eterno! Maldita barata desgraçada! – praguejou Nelson enquanto pegava um pano de chão, sujo e deplorável para variar.

Nelson limpou a carnificina e jogou o pano no lixo. Lavou as mãos e colocou as caixas de cerveja a frente do elevador. Trancou a porta e desceu até o térreo.

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Eu não reclamo dessa vida que tenho. Eu simplesmente trabalho para pagar esses momentos. Não vejo beleza nenhuma na vida de família. Convidar outros casais e seus filhos para um churrasco em minha casa. Eu não consigo me colocar no lugar desses homens. Eu não me imagino com um filho sequer, tendo que educá-lo para a vida. Provavelmente um filho meu se transformaria em um tipo de maníaco, um bandido, um cafajeste odiado pelas mulheres. A Bárbara não queria ter filhos, era isso que eu gostava nela. Mas após alguns meses de relacionamento, tenho certeza de que, se despertasse nela um sentimento materno, com certeza eu não seria o eleito para plantar espermatozóides alucinados por um óvulo dela. Eu lhes digo: ela terminou o namoro com uma repulsa tão grande em relação a mim, que tudo o que eu fazia despertava ódio nela. O meu jeito de andar, o meu jeito de fumar um cigarro, o meu jeito de contar piadas. Ela me desprezou e com certeza vai me esquecer em um par de semanas. Malditas mulheres. Se aquele lance de Adão e Eva fosse verdade, as desgraçadas então deveriam ser amaldiçoadas. Era pra serem nossas auxiliares e agora querem tomar nosso lugar de líderes. Olha, pra ser sincero eu gosto muito das mulheres, mas acho que tenho um sério problema com elas. Acho que elas pedem muito e eu tenho pouco a oferecer. Os amigos são diferentes. Eles querem beber com alguém, falar sobre a vida com alguém, eles querem debochar de alguém e essas coisas eu tenho de sobra a oferecer. Agora se me pedirem dinheiro, será o mesmo que pedir alguma esmola para um mendigo. Simplesmente não faz sentido pedir dinheiro para mim.

Malditas caixas de cerveja, o plástico que as envolve está rasgando, vou ter que empilhá-las, só que preciso de uma mão livre para fumar.

Acho legal o apartamento do Maulin. Tem uma pequena sacada para fumar e olhar para o céu. E o Maulin é um cara esperto pra caralho. Mas o trabalho de gerente comercial está deixando ele de cabelos em pé. Está muito estressado, se queixando muito de tudo, e ainda tem a Agnes para tirá-lo do sério.

Eu não entendo o porquê daquele miserável dar abrigo a ela. A mulher é um furacão de problemas. Nos anos noventa ela era uma porraloca que vivia de bar em bar, de balada em balada causando problemas, perturbando as pessoas com sua voz fina e levemente fanha. Sua presença sempre causava transtornos, mas como na vida nada é unanimidade, sempre existiam pessoas que andavam com ela, se drogavam com ela e bebiam com ela. Ela esteve presa algumas vezes, esteve em clínicas de reabilitação também, enfim, era a palavra problema encarnada. Ela finalmente saiu dessa vida porque envelheceu. Um dia acordou e sentiu que brincar de ser jovem era ridículo. Quando olhou ao seu redor e só viu amigos de vinte e poucos anos para conversar, Agnes sentiu falta de pessoas experientes, pessoas com conteúdo. À medida que você envelhece, é natural perceber a falta de malandragem nas pessoas mais novas. E ela abandonou seus círculos juvenis de amizade e falhou miseravelmente em ingressar em grupos mais maduros de amigos. Ela era uma eterna garota de vinte-e-poucos-anos e sendo dessa forma, vivia criando intrigas infantis com adultos de cabeça feita. Hoje em dia, ela rejeita seus amiguinhos e é rejeitada por seus amigões. Maulin é o único homem maduro que de alguma forma misteriosa suporta seu jeito. Eu tenho quase certeza de que Agnes tem uma queda fodida por ele, mas ainda careço de provas mais concretas.

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Nelson chegou à porta do prédio e falou com o porteiro através do interfone. Após a confirmação com Maulin, a porta se abriu. Nelson o cumprimentou mas o velho porteiro nem virou o rosto. Ele sabia que a noite seria de perturbação e reclamações dos apartamentos ao redor de Maulin. Subiu o elevador e chegou à porta do apartamento. O prédio tinha quatro apartamentos por andar e era muito bem situado, ficando em Perdizes. Tocou a campainha.

- Entra aê, porra! – era Maulin gritando da cozinha. Ele preparava alguns frios para serem petiscados.
- Maulin, seu bosta, a porta está trancada!
- Agnes, porra, você trancou a porta! Que mania do caralho! Vai lá abrir!
- Já vou! – Agnes enrolava uma toalha em seus cabelos molhados.

Depois de três minutos, Nelson já havia aberto uma lata de cerveja quente e havia acendido um cigarro.

- Olá Nelson! – Agnes simulava uma voz aparentemente despretensiosa e esnobe, com um ar de leve superioridade e pouco entusiasmo, como se tivesse mil coisas a fazer.
- Opa, como vão as coisas? – Nelson deu um rápido beijo no rosto dela e seguiu direto pela cozinha.
- E esse cigarro aceso aí, Nelson? Velho, vão reclamar logo, logo, por fumar no corredor – Maulin despejava orégano nos cubos de queijo cortados.
- Se demorasse mais dois minutos, eu cagava na sua porta, seu lixo! – Nelson deu um abraço no amigo – Vou colocar as latas no congelador.
- Deixe na geladeira, hoje ta frio pra caramba.
- Você parece um australiano, man. Beber cerveja na temperatura ambiente? Eu vou deixar algumas latinhas no freezer, só pra garantir.

Maulin tinha um computador na sala, ligado ao seu aparelho de som e um jazz no mínimo alegre tocava freneticamente. Nelson se acomodou no sofá e acendeu outro cigarro. Reclamou da demora de Maulin e perguntou a Agnes se estava viva. Não recebeu resposta. De repente aquele jazz alegre se transformou em uma forma psicodélica e progressiva de tocar instrumentos. A bateria era tribal, experimental, era atraente como uma chama. Nelson ficou paralisado durante quatorze minutos, que era a duração da música. Após retumbantes batidas, insinuantes toques de saxofone e até ensandecidas dedadas em harpas, ele pulou do sofá e despertou de seu transe.

- Maulin! Que som é esse, pelo amor de Deus?!
- Art Blakey! – gritou Maulin com a boca cheia de salame.
- E ele toca exatamente o que?
- A bateria. A banda chama The Jazz Messengers.
- Puta que pariu! Isso que é som! – Nelson já havia se levantado e se postado junto à porta da cozinha.
- Esse cara é sensacional mesmo. Muitos bateristas do rock têm ele como referência. O cara é foda.
- Depois me lembre de te mostrar um músico etíope que achei. O cara é demais, de verdade. Música bem feita, sem frescura. Chama-se Mulatu Astatke.
- Caralho, onde você encontra essas coisas?
- Nesse caso foi num filme.

Os dois se juntaram na sala e começaram a discutir sobre música. À medida que as bebidas eram consumidas, as conversas começavam a descambar para um lado mais pessoal. Agnes se assentou no tapete da sala e ficou cutucando a unha do dedão do pé. A presença dela não os inibiu e eles continuaram falando mal de mulheres e citando suas bocetas, bundas e peitos. Ela apenas sorria, em silêncio, concentrada em suas unhas.

- Velho, a Clara era muito gorda! Como você conseguiu meter naquela bunda? – Maulin dava risadas, exibindo dentes cheios de casca de amendoim.
- Meter na bunda era fácil, o foda era meter naquela boceta velha. Mas sabe aquele papo de que as gordinhas têm mais tesão? Pura verdade. A garota era insaciável. E chupa muito bem por sinal.
- Olha, ela pode até me prometer orgasmos múltiplos com uma boa chupada, mas eu passo essa! Ela é muito gorda!
- Agora você me sentir mal – Nelson olhou pra baixo fazendo cara de menor abandonado.
- Cara, que Deus tenha misericórdia do teu pau, porque você não tem! Hahaha!
- Já chega desse papo. Ou quer que eu te lembre da Miss Jibóia?
- Do que você ta falando, Nelson. Você já comeu traveco, porra – Maulin abocanhou mais alguns amendoins.
- Mas eu não escondo isso de ninguém. Agora você estava se gabando de ter pego a melhor da balada, parecia uma miss Brasil e acabou sendo enrabado! Hahahaha!
- Ela não me enrabou porra nenhuma, Nelson! Corta essa! Ela tentou, mas não conseguiu – Maulin falava enquanto se levantava para buscar mais uma cerveja.
- Sei, sei. Miss Jibóia! Hahaha!
- Deixa ele, Nelson – Agnes se intrometeu.
- Você fica na sua, coração – e apontou o dedo para ela com ar de reprovação.
- Seu grosso, comedor de gordas – sussurrou com sorriso sarcástico.
- É melhor você ficar quietinha se não você vai começar a me chamar de comedor de loucas também.
- Você tem pau pequeno, Nelson. Por isso que come traveco.
- E o que tem a ver o cu com as calças?
- Você não me engana, seu pica mole.
- Mais uma palavra e além de comer gordas e travecos, vou comer seu cuzinho.

Agnes hesitou um pouco e considerou por alguns segundos o fato de Nelson poder cumprir sua ameaça. Ele estava bêbado e poderia fazer qualquer loucura. Ela também estava bêbada e começou a rir.

- Vai tomar no olho do seu cu, seu cuzão.
- Agora você vai ver!

Nelson se jogou em Agnes e enfiou a mão em sua calça de lycra. Ela dava pequenas risadinhas até quando ele conseguiu dar uma dedada no cu dela.

- Chega, chega! Eu fico calada! Hahahaha!
- Esse é um aviso, coração! Da próxima vez eu chupo seu rabo e meto nele – o tom de Nelson foi sensual e o seu olhar, maligno.

Maulin estava cagando enquanto essa pequena putaria acontecia.

- E a Bárbara, cadê ela? – Maulin perguntou enquanto enxugava suas mãos na camiseta.
- É, a Bárbara já era. Terminamos ontem. Ela é uma puta ingrata! – Nelson estava claramente alterado pelas cervejas.
- Bem, sei lá, é a vida, amigão. Elas sempre nos dão uma punhalada pelas costas – Maulin se juntava ao time dos bêbados e deixava a boca falar por si só.
- Vocês dois são uns desgraçados! A Bárbara só queria uma vida normal, ela não pode ser culpada por querer isso! – Agnes novamente se intrometia na conversa.
- Maulin, diz pra ela que eu vou comer o cu dela, diz! Diz pra ela, porra!
- Calma Nelson, calma Agnes. Vocês dois são mesmo uns putos, derrubaram a cerveja no tapete! – Maulin se levantou e rumou até a cozinha.
- Sua vaca, hoje eu vou gozar no seu rabo, pode escrever o que to dizendo - Nelson falava quase sem som.

Agnes apenas olhava para Nelson com um olhar levemente vesgo, um sorriso de canto e fazendo sinal positivo com a cabeça. Maulin tentou absorver o máximo de cerveja com o pano e voltou para a lavanderia. Agnes levantou-se e foi até o computador para trocar de música. ‘Evil Woman’ do Black Sabbath começou a rolar e Nelson captando a mensagem que Agnes tentou passar pra ele, a juntou nos braços.

- Você não ta mais pra crazy woman do que evil woman, sua puta. Hoje eu vou te possuir, ta me ouvindo?
- Vai comer ela, Nelson? – Maulin novamente chegou secando as mãos úmidas em sua camiseta.
- Se ela não sossegar o facho dela, vou dar surra de pau mole nela - dizendo isso, Nelson soltou Agnes e a empurrou rumo ao sofá.
- Só pode ser de pau mole mesmo, seu comedor de baleias! Hahaha!
- Sai daqui, sua vaca! – Nelson apontou para a porta, a expulsando do apartamento.
- Ei Nelson, aqui não é sua casa! Se quiser, você saia fora! – Maulin se exaltou lembrando da noite anterior quando foi enxotado bêbado do apartamento do amigo.
- Eu ficarei, pelo bem da nação! – respondeu Nelson com a mão erguida, apontando para cima, como se estivesse declarando a independência de algum país.

Os ânimos se acalmaram e eles voltaram a conversar civilizadamente. Maulin acendeu um charuto pra ele e pra Nelson e disse para Agnes que aquilo é coisa pra homem. Agnes contrariada foi trocar de música.

- Porra Agnes! Não dá pra ouvir uma música por inteiro? Tem que ficar trocando, trocando? Cacete! – Nelson reclamou com o charuto deslizando por sua boca.
- Juro que é a última que coloco, sério!

Ela clicou na música e correu para a cozinha. ‘Ballade de Melody Nelson’ começou com a voz de Serge Gainsbourg, o grande ídolo de Nelson. O ritmo cheio de suingue da guitarra o fez rir. Prontamente ele se pôs em pé e foi até Agnes. Na cozinha, ela já o esperava com o mesmo sorriso diabólico e sedutor que ela tanto utilizara em seus trinta e tantos anos de vida.

- Você é foda, mulher. Vem aqui – Nelson a pegou pelo cabelo e lhe deu um beijo na boca.

A língua de Agnes parecia uma serpente enlouquecida, longa, lisa e intensa. Nelson sentia dificuldade em acompanhar os movimentos da língua dela e para tentar quebrar o gelo, enfio a mão novamente dentro de sua calça apertada. Desta vez foi pela frente, e se ela era frenética com a língua, ele iria mostrar sua destreza com os dedos. Maulin dava risada com ‘En Melody’, a canção que se iniciava. Nela gemidos e risadas femininas serpenteavam pelas ondas sonoras. Até o momento que a mulher, na metade da música, dá uma risada longa e fanha.

- Ah, que putaria de som... – Maulin balbuciava com o charuto todo babado em sua boca.

A atmosfera que se formou com o som de Gainsbourg apenas atiçou o desejo do casal na cozinha. Soltaram todos os seus demônios, como todo humano faz quando está bêbado. Nelson a virou para a pia e abaixou sua calça. Quando puxou a calcinha, ela rosnou.

- O Maulin não vai gostar disso!
- Corta essa, sua vaca! Agora você vai dar gostoso pra mim. Você ta gostando, olha como ta molhadinha – Nelson esfregava seu dedo médio no clitóris dela.
- Não, Nelson, não! Pára de esfregar esse pau na minha bunda!
- Filha de uma puta! – Nelson guardou seu pau e levantou a calça jeans surrada.
- Ei, você vai pra onde?
- Vou cagar e talvez bater uma punheta pra que meus bagos não fiquem doendo, sua vaca – respondeu enquanto acendia um cigarro e se dirigia ao banheiro.

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Maldita vaca. Maldita seja. Agora meu pau ta todo melado e nem consegui gozar. Eu detesto beber por isso, sempre acontece! Acabo comendo qualquer lixo que apareça, enfio em qualquer buraco. Vaca do caralho! Onde eu que eu tava com a cabeça? Eu nem sei onde essa boceta passou. A Agnes parece uma farofa de churrasco, todo mundo passa a linguiça, e eu metendo nela sem camisinha... Nelson seu cabaço do caralho! Deixa eu lavar essa merda.

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Nelson saiu do banheiro sem cagar e sem bater punheta. Ficou intrigado demais com as palavras AIDS, Cazuza, Freddie Mercury, gonorréia, sífilis, cancro mole e duro. Lavou seu pau três vezes, esfregando com afinco. Chegou na sala e viu Maulin adormecido no chão, encostado no sofá. Agnes estava só de calcinha e de bruços, apagada em cima do mesmo sofá. Nelson mandou eles para o inferno e tirou os sapatos e rumou para o quarto de Maulin. Avistou o mimo de seu amigo, uma pequena adega eletrônica cheia de garrafas caras de vinho.

- Um dia eu quebro essa merda, Maulin, e bebo tudo – Nelson desmoronou na cama confortável do amigo.

Quando Nelson adormeceu, era quatro da manhã. Quando acordou, já era sete e meia, mais ou menos. Foi mijar, se dirigindo ao banheiro com passos lentos, apertando sua cabeça devido à ressaca assombrosa. Ao sacar seu membro, verificou uma textura diferente. Era a única palavra que ele não lembrou na hora em que tentara cagar há horas atrás. Verrugas. Eram três pequenas verrugas que nasceram bem distribuídas pela extensão de seu pau. Ele suou frio e esqueceu de mijar. Ficou tentando arrancá-las num ato de extremo desespero. Foi em vão, elas permaneciam firmes e nojentas.

- Caralho, mas nasceram tão rápido! Saiam suas malditas! – Nelson riscava as anomalias com força.

Ele lembrou de que ia mijar. Manteve a calma, respirou fundo e mijou uma urina clara e abundante. Tocou a descarga porém não levantou sua calça, nem a cueca. Caminhou friamente até a sala e se assentou ao lado de Agnes que continuava apagada, agora dormindo de lado. Maulin havia despencado e dormia em posição fetal, aquecido e completamente entregue ao sono. Era sábado, não havia preocupação com o trabalho. Nelson iniciou uma masturbação descontraída, relaxante. Pensava em Bárbara, sua ex-namorada, uma descendente de italianos, de cabelos vermelhos e ondulados, seios fartos, bunda arredondada e sem excessos. Ela tinha um rosto com traços fortes, exatamente como as mulheres daquele canto da Europa.

- Ah Bárbara, só bastou você sair da minha vida para eu começar a fazer merda... – resmungou enquanto pensava na cena que mais o marcou no curto relacionamento, quando Bárbara cavalgava em seu pau, gritando como uma louca.

Nelson aumentou a intensidade de seus movimentos e começou a sentir o esperma chegar. A cabeça de seu pau estava roxa, tamanha era a força com que Nelson o apertava. Ele soltava pequenos gemidos e de repente levantou se inclinou sobre Agnes, levando seu pau até o rosto dela. Gozou fartamente, toda a porra acumulada da foda empatada da madrugada. Sêmen jorrava incessantemente entre o cabelo e o ouvido de Agnes. Ela não se mexeu, não manifestou um sinal de vida sequer. Maulin permanecia como um feto morto num útero quente. Nelson estendeu sua ejaculação através de boa parte do cabelo dela. Agnes sonhava com campos verdejantes, com vacas, com leite. E não se mexeu nem um pouco.

- Sua vadia suja. Se eu peguei AIDS, eu te mato... – Nelson sussurrou lentamente no ouvido melado de Agnes.

Limpou seu pau na calça de lycra dela, que jazia em cima de uma cadeira. Levantou sua cueca, sua calça e a abotoou. Sacou um Lucky Strike e o acendeu. Parou para pensar um pouco, na sacada do apartamento. Terminou seu cigarro e amassou a gimba no cinzeiro. Pegou o cinzeiro e o virou em cima da cabeça de Agnes, despejando muita cinza e gimbas amassadas. Nelson apenas deu uma risada, balançando a cabeça lentamente e negativamente. Pegou sua caixa de cigarro, seu celular e deixou o apartamento. O porteiro o olhou com reprovação novamente, mas estava feliz porque seu turno estava por terminar. Nelson apenas ganhou a rua do bairro de Perdizes. Seus olhos se fecharam pois o sol estava livre e bem vivo no céu, porém arremessava raios fracos naquela manhã fria. Ele sorriu porém logo fechou o seu semblante.

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Preciso urgentemente fazer uns exames. Todos os que forem precisos. Deus do céu, um dia meu pau vai cair, com tanta cagada que faço. Como sou estúpido! Espero que o Maulin não fique chateado com o novo visual daquela vadia. E se ele ficar magoado, pau no rabo dele. Preciso de um croissant de presunto e queijo e um café espresso, daqueles bem fortes. E preciso comprar mais cigarro. Puta que pariu, onde acho uma padaria nessa merda de lugar?