Passei em branco. Nada daquelas histórias de comer mulher em ônibus de viagem. Só fósseis ambulantes travestidos de idosas, crianças sapecas atrapalhando meu sono e claro, trôpegos trabalhadores, esparramados por diversos assentos. Longe do luxo dos ônibus de leito ou semi-leito, estava eu num ônibus com o revestimento dos assentos rasgado, nenhum sinal de cinto de segurança, aliás, não havia sinal de segurança em lugar algum.
O banheiro era o resumo de todos os meus pesadelos e a porta não podia fechar, pois se isso ocorresse, a mesma ficava trancada, fazendo o motorista exausto parar no acostamento e se dirigir aos fundos do veículo, para aplicar um macete que abria milagrosamente a porta. Havia um aviso estampado: "não feche a porta", mas do que adiantava? Dois terços dos passageiros eram analfabetos e o resto era tímido demais para cagar de porta entreaberta, sob risco de alguém flagrar o momento mais íntimo entre o ser humano e o seu corpo: a limpeza do cu. O medo de cagar com tamanho desconforto ocasionou momentos terríveis, quando os passageiros, sob as torturas do esfíncter, aliviavam-se em meio aos peidos mais nauseantes. O quê aquele povo comia? E eu matutava comigo mesmo: "se o peido tem apenas 1% de enxofre, que é o que faz ele ficar fedido, imagina o percentual desse povo! 10% no mínimo!". Mas meus pensamentos dissipavam no ar, como os inconvenientes peidos.
Não sou nenhum fresco, mas tive que colocar a mochila virada para o lado da frente e dormir abraçado à ela. Já tive experiências negativas demais ao confiar nos proletários sofridos da nação. Fodam-se eles. Que cortem infinitas toneladas de cana-de-açúcar, que peguem doença de Chagas e que continuem morando em casas de pau-a-pique. Honestos? O caralho. Fora o cheiro de sovaco com cachaça que permeava minhas narinas. Nada contra a cachaça, mas puta merda, passa um sabão de pedra nessa caverna cabeluda... Mas a verdade é que passei em branco novamente. Já contabilizo dezenas de viagens de ônibus, e seja leito, semi-leito ou pau-de-arara, sou um fracasso em todas as modalidades.
Más experiências à parte, eu desembarquei na rodoviária de São Silvestre do Campo. A bucólica região não é tão atraente. Sabe aquele papo de vida no interior? Então, tô fora. A rodoviária insignificante só ganhava algum significado quando uma telha caía em alguma velha. Bem, foi o que disse o motorista para um dos caipiras que saía do ônibus.
- Cuidado com as telhas dessa porra. Tem hora que parece que chove concreto quando venta! Uma velha morreu nessa brincadeira! Hahahaha!
o motorista se tornava cada vez mais evitável com um bafo de café que se misturava ao bafo proveniente do estômago, fazendo uma junção que me dava a idéia de como seria o cheiro se um dia eu quisesse fazer café dentro de um banheiro enquanto eu cagasse. Comparações à parte, eu encaixei um cigarro entre meus lábios e demorei pra acendê-lo. Tanto demorei que ao retirá-lo depois da primeira tragada, o papel do filtro grudou como se fosse colado aos meus lábios, e ao retirá-lo, levou junto um filete do meu lábio inferior. Praguejei. Xinguei a mãe de Deus e o padroeiro da cidade, São Silvestre (que pra mim não passa de uma maratona de fim de ano). O calor era insuportável e para tentar amenizá-lo, me movimentei a fim de sair daquele antro de caipiras sofridos e rastejantes. Perambulei pela avenida principal e de cada dez estabelecimentos, sete eram igrejas evangélicas. E todas cheias. Povo idiota do caralho. Minha mala começava a pesar à medida que o cansaço dominava minhas pernas. Parei num bar.
- Campeão, me vê uma Brahma gelada.
- Não temos Brahma, só Malta.
- Tem outro bar por aqui?
- Não sei... - respondeu o atendente gorducho com olhar de desdém, evitando favorecer a concorrência.
Bem, prefiro evitar essas cervejas sofridas. Levantei minha mala e caminhei apressadamente. Era três da tarde, mas o Sol esqueceu de diminuir o calor e raiava como se fosse o meio-dia. Meu cabelo estava oleoso, e eu suava como um porco sofrido, e isso me deixa nervoso. O vento chegou com tudo, bagunçou meu penteado, jogando os fios pra direita, esquerda e pra frente. Larguei a mala e arrumei o penteado. Chutei uma pedra média para a rua, ela rolou com velocidade e quase acertou a frente de um carro em movimento. O motorista mostrou o dedo pra mim e tremulou o punho esquerdo. Retribui o gesto inicial e mandei ele tomar no cu. Ele passou reto. Entrei num segundo bar.
- Brahma, campeão!
- Só Skol.
- Tá, tá, me vê uma.
O atendente abriu a geladeira abaixo do balcão e retirou uma garrafona de Skol. Meus olhos brilharam.
- Dois e vinte. Tem que pagar antes.
- Caralho, você corta o tesão da coisa, man! - murmurei puxando a carteira do bolso.
- É foda, eu sei.
- Toma. E me vê um maço de Lucky Strike branco - disse entregando uma nota de dez reais.
- O que é isso?
- É um cigarro!
- Nunca vi!
- Caralho! Sério? E o que você tem aí?
- Esses aqui - apontou para o expositor de marcas acima do caixa.
- Putz, me vê um Dallas então - era o menos pior.
Balancei negativamente minha cabeça e abri o plástico do maço. Acendi o cigarro que cheirava mal. Cigarro bom você sente pela fumaça. Pelo menos o Dallas é de alguma indústria conhecida. Pedi mais duas garrafas e após finalizar a terceira, estava um pouco tonto. Acenei em despedida para o atendente que ergueu a mão num gesto negligente.
- Caipiras idiotas - disse em voz baixa.
Eu precisava de um hotel barato. Vaguei pelas ruas estreitas do centro e numa banca de jornal perguntei por um hotel. Indicaram-me o hotel Coronel Risotto. Que porra de nome era aquele? Devia ser um idiota. Os pássaros voavam rente à minha cabeça e eu não gostava disso. Cheguei à entrada do hotelzinho. Avaliação: menos duas estrelas. Era um pulgueiro fodido, com uma atendente descabelada que tomava sorvete naqueles potinhos plásticos.
- Pois não?
- Eu quero um quarto.
- Prefere com vista pra rua ou não.
- Qual é a diferença?
- Se o senhor gosta de movimento, a vista da janela que dá pra rua é melhor.
- E os outros quartos não têm janela?
- Têm sim, mas tudo que o senhor vai ver é mato.
- Me vê um desses aí, o do mato.
- Vinte e cinco reais.
- Puta merda, não vale nem cinco reais essa bosta - pensei franzindo a testa.
Entreguei o valor com relutância.
- Quarto doze. Café da manhã é servido ali atrás das oito da manhã até às dez - disse a mulher apontando para a cozinha imunda e escura.
- Tá certo.
Subi as escadas até o primeiro andar. Abri a porta do quarto e até que não era ruim. Uma escrivaninha de madeira, uma cama grande e dura, uma televisão protegida por travas. Um telefone também estava lá ao lado de um cardápio para o "serviço de quarto". Olhei para o cardápio e o joguei na escrivaninha. Sentei na cama e tirei meu tênis. Me dirigi ao banheiro que à primeira impressão estava em ordem. Peguei a toalha dobrada acima da privada e a estendi sobre o box. Tomei um banho longo, de água gelada, lavando o corpo e a alma. Me enxuguei e fiquei de cueca. Olhei pela janela e sim, era só mato, um vasto matagal. Acendi um cigarro e parei em pé, pensando na vida. Precisava de uns dias nessa cidade. O meu chefe em São Paulo deve estar em seu carro, encarando o trânsito caótico, os motoboys malandros que arrancam retrovisores. Mas meu chefe é gente boa. Me deu uma licença de uma semana devido ao estresse. Um colega de trabalho me tirou do sério ao entrar na minha sala e ficar falando da vida dos outros.
- Cara, você ficou sabendo que o Golveia...
- Sai daqui, viado bocudo de merda! - gritei lavantando-me bruscamente, indo pra cima dele.
Peguei-o pelo colarinho e o tirei da sala aos pontapés. Ele foi se queixar ao chefe, mas meu chefe sabia que ele era um puxa-saco fofoqueiro.
- Alberto, o quê tá rolando contigo? - disse o chefe com toda reserva possível.
- Esse cara, me tira do sério...
- Você precisa de descanso.
- O foda é arrumar tempo pra descansar.
- Que tal uma semana? Depois do pagamento, você fica uma semana descansando. O que acha?
- Como assim?
- Uma licença, Alberto. Olha os seus olhos, vermelhos! As olheiras, a fisionomia... Cara, você está mal.
- Eu sei. Aceito a licença, chefe.
- Maravilha. No dia seis você já está de folga, beleza?
- Perfeito. Valeu mesmo.
E lá estava eu, de licença, tentando amenizar o estresse. Até que estava funcionando. Coloquei uma bermuda, uma camiseta do Sonic Youth e saí para dar uma olhada na cidade à noite. São Silvestre do Campo é uma cidade com seus quinze mil habitantes e o movimento da noite se concentrava, como em toda cidade do interior, na praça que fica no centro. Jovens e mais jovens se amontoavam em volta de um carro com porta-malas aberto, tocando hits de rádio. Todos os garotos usavam boné, e comiam churros. As garotas, mais gostosas impossível. Com roupas simples, passavam longe da sofisticação de São Paulo, mas o corpo delas não perdia em nada para as urbanas paulistanas. Elas circulavam de braço em braço, deixando os garotos atiçados, no tesão da juventude. Latinha de cerveja nas mãos, a vida não precisava de mais nada. E como em toda cidade de interior, eles tinham um detector de forasteiros. Cheiravam a modernidade da capital em cada 'turista' e obviamente detestavam. Tenho certeza que é o receio de que cheguemos na cidade deles e roubemos as mulheres deles. Cabaços. Caipira é foda. Para evitar confusão, ou olhava para baixo ou para frente, sem atentar para os meus lados. Qualquer olhar em falso e uma briga poderia rolar. Entrei numa cantina italiana que tinha uma placa que anunciava em letras garrafais: "A MELHOR LASANHA DA REGIÃO". Bem, não lembro de ter visto outro lugar que vendesse lasanha, mas tudo bem. Pedi uma à bolonhesa e uma coca-cola. Demorou uns trinta minutos pra chegar.
- Até que enfim! - disse com sarcasmo típico de cliente chato.
- Desculpe, senhor! - respondeu a garçonete, sem graça.
A calça jeans justa naquela bunda redonda me deixou faminto e num impulso maníaco, devorei a lasanha que era muito boa. Poderiam colocar naquela faixa algo como "A MELHOR LASANHA DO INTERIOR". Era muito boa, assim como era a bunda da garçonete. Pedi a conta e ela me entregou. Sete reais. A vida era um sucesso. Não cobravam os dez por cento de serviço. Ela merecia uns quinhentos reais por aquele rabo. Coloquei meu número de celular no papel da conta, junto ao dinheiro. No papel escrevi "me liga, coração - Alberto". Ela olhou para mim, deu um sorriso e pediu desculpa pela demora da lasanha. Pegou o papel da conta e o espetou num ferrinho pontudo. Nem olhou para o meu convite.
- Biscate gostosa - pensei ao me levantar.
Saí da cantina e comprei um latinha de cerveja. Acendi um cigarro e suspirei. Nada melhor que um cigarro após encher a pança. Levantei minha cabeça e avistei um banco de praça. Um bêbado dormia no chão ao lado. Cheguei ao banco em meio aos olhares hostis dos caipiras. Olhei para o chão e terminei minha cerveja. Lancei o filtro do cigarro no chão e fiquei mais uns cinco minutos. Me levantei lentamente e a praça continuava no fervor das risadas, provocações e xingamentos. Um garoto vomitava nas escadas da igreja matriz. Sob reprovação dos olhares dos idosos e dos santos imóveis na fachada da igreja, o garoto saiu cambaleando, caindo sentado e adormecido, vencido pela cerveja. Pobre diabo.
Voltei para o hotel e subi as escadas após acenar para a mulher da recepção. Cheguei no quarto e tirei a camiseta. Atentei para uma mancha de infiltração na parede e dei uma risada. Olhei pra TV, ela olhou pra mim e virei de costas (não assisto TV desde quando tiraram Thundercats da grade de programação, quando eu era moleque). Acendi um Dallas e deitei com o cinzeiro na barriga. Pensei em diversas coisas, em São Paulo, nas garotas simples e gostosas dessa cidade pequena, na lasanha também. Fechei os olhos e o símbolo do Lucky Strike apareceu em meio à escuridão.
- Maldita cidade pequena - rosnei olhando para o céu.
E enquanto olhava fixamente para um furo na parede, uma gritaria no matagal me chamou a atenção. Apaguei a luz e fui para a janela.
- Pára Sérgio! Você não vai me comer! Não dá! - uma garota falava baixo, mas com firmeza.
- Vai porra! A gente namora há séculos, caraio! - um rapaz suplicou em voz baixa e tensa.
- Mas não dá, eu sou virgem... - disse a garota quando foi interrompida.
O rapaz encaixou um soco preciso na boca dela. A garota rolou pelo mato alto, fazendo ruídos. Eu ouvi barulho de galhos secos quebrando.
- Serginho, o que você está fazendo?!
- Hoje você vai dar pra mim! Foda-se! - disse o rapaz apontando para a cara da garota.
- Por favor, amor! Sou virgem! Não faz isso!
Ouvi barulho da fivela do cinto. Ela se debatia freneticamente, aos gritos. Somente o hotel estava por perto, e todos os hóspedes do hotel (outros três forasteiros) escolheram o lado da janela pra ficar. Ele deu mais um soco nela, agora na nuca e a ameaçou:
- Mais um grito e eu te mato, sua puta!
- Serginho, por favor! Eu sou virgem... Não faz isso! Vamos casar, vamos casar! - implorava aos prantos, num choro terrivelmente aflito.
- Cala a boca! Você tá louca, Gisele? Eu não quero casar pra te comer! Eu quero te comer agora!
- Ai meu Deus, me ajuda! - dizia ela de quatro, com a bunda virada para o rapaz.
- Cala a sua boca! Você tá com medo de perder a virgindade, sua puta? Você me chupa toda a noite! Qual é o problema de dar essa buceta?!
- Não! A buceta não! - a garota gritou se debatendo.
- Ah! Então quer no cuzinho? Hoje eu vou te comer, seja por onde for!
- Não, não! Socorro!
Eu assistia a cena com olhar maligno, com vontade de ajudar, mas ao mesmo tempo excitado. O rapaz cuspiu no cu da namorada e no próprio pau e enfiou sem piedade, nem imaginando a dor que estava causando à garota. Começou a bombar violentamente e ao mesmo tempo, xingava a pobre vítima, que nesse momento chorava baixo, suplicando roucamente ao seu Deus. Deus não foi salvá-la. Talvez tentasse ajudá-la, me usando, mas eu sou preguiçoso demais para ser um instrumento de Deus. O rapaz finalmente suspirou e caiu em cima da garota, que gemia de dor.
- Que cu gostoso! Vai acostumando, que agora vou comer todo dia esse cuzinho, até você tomar vergonha e dar essa buceta pra mim!
- Seu monstro! - sussurrou com voz trêmula.
Gozei também. Naquela altura do campeonato, se eu não fosse interromper aquele estupro, eu me masturbaria. E foi o que fiz. Gozei no chão do quarto e deitei na cama, com o pau amolecido. Alguns minutos de descanso e voltei à janela. O rapaz havia ido embora, e a garota estava lá, deitada na mesma posição. Pensei que ela estivesse morta, sei lá, mas ela conversava com seu Deus:
- Meu pai, por quê? Por que não me ajudou?
Compadeci-me de sua ignorância e de seu desespero. Somente os grilos cantavam em alegria e os morcegos emitiam seu som insuportável. Imaginei o terror do estupro, o medo que ela deveria sentir naquela hora, sozinha e sem ajuda. Desprezada no chão, suja de terra e com o rabo gozado. Dei um murro na parede e coloquei a cueca e a bermuda. Camiseta no corpo e lá estava eu, correndo pela recepção. Dei a volta no quarteirão e vi que o matagal era protegido por arame farpado. Rastejei no chão e ao me levantar do outro lado, a camiseta prendeu no arame. Puxei com força e ela rasgou. Não me importei e corri pelo mato.
- Tem alguém aí? Você pode me ouvir? Onde você está? - gritei desesperado.
- Aqui! Eu tô aqui... - respondeu a garota com o braço levantado e trêmulo .
Corri até onde a voz estava e a cena foi terrível. Acendi meu isqueiro e vi uma cena pavorosa. Ela estava roxa, com mechas de cabelo arrancadas e jogadas em suas costas. Seu rosto era uma mescla de lágrimas e terra. O cheiro era terrível: esperma, cu, boceta e suor. Chorei.
- Quem foi o filho da puta que fez isso com você?!
Ela não respondia, só choramingava.
- Vamos, diga porra!
Ela continuava choramingando, reclamando de dores terríveis. Eu sabia quem era o bastardo, mas eu preferia disfarçar, afinal, não queria que ela soubesse que eu poderia ter evitado aquela situação toda. Levei um susto ao ver luzes, muitas luzes e uma gritaria ensandecida vindo de vários homens. Consegui ouvir uma frase em meio à gritaria.
- Parado aí, filho da puta!
Era a polícia, três policiais apontando suas armas para mim. Levantei meus braços.
- Peraê, amigo! Eu tô socorrendo ela! Ela foi estuprada!
- Ah é? Cala a sua boca! Algemem esse filho da puta! - ordenou o delegado.
- Calma aí! Eu fui socorrê-la, porra! - gritei apontando para a garota.
- Ei, ei! Mão pra cima, caralho! - ordenou um dos policiais que chegou perto de mim com a arma apontada para minha cabeça, começando a me revistar.
- Puta merda, o que vocês estão fazendo? Socorram a garota!
- Cala a porra da boca! Não me diga o que fazer! - gritou o outro policial, me acertando um bom soco no fígado.
Caí no chão e lembro de ter sido chutado, pelo corpo inteiro. Desmaiei.
Quando acordei, estava numa cela com mais vinte e três presos que confabulavam sobre mim.
- Olha lá o estuprador! E nem é da cidade! - um preso negro e banguelo disse.
- Eu não estuprei ninguém, filho da puta! - gritei enquanto notava que minha calça estava aberta.
- Vou enfiar minha pica na sua garganta, seu safado! - outro me ameaçou.
Um policial chegou nesse momento e deu uma porrada na grade da cela.
- Cala a boca aê, caralho! Alberto, venha pra cá! - me chamou enquanto abria a cela.
- Eu disse pra vocês que não estuprei ninguém, caipira cuzão! - gritei já no lado de fora da cela.
- Se voltar pra cá, te como, seu viadinho! - alguém me ameaçou.
Mostrei-lhes o dedo do meio e caminhei junto ao policial para dentro da sala do delegado. Enquanto andava, senti que estava sem cueca. Sentei numa cadeira velha e de perna vacilante, que ficava em frente à mesa do delegado.
- Seu filho da puta! Você vem para cá, pra nossa cidade, pra 'estrupar'? - o delegado lançou olhar cínico para cima de mim.
- Eu não estuprei ninguém, senhor delegado. Eu estava socorrendo a garota, pois o meu quarto de hotel ficava de frente para aquele matagal. Eu vi a gritaria e saí correndo! Pergunte à recepcionista!
- Ela disse que não lembra de ter visto você no hotel naquele horário - disse com sorriso de deboche e um cigarro entre os dentes amarelo-escuro.
- Puta que pariu, só o que me faltava isso... - reclamei colocando as duas mãos entre meus cabelos.
- E você pode me explicar isso? - me jogou um saco, onde se encontrava minha cueca, cheia de esperma da minha masturbação proibida.
- É minha cueca! Ué? Não posso ter batido uma punheta durante o dia?
- Você não me engana, rapaz. Olha isso aqui! - lançou uma conta de restaurante. Aquela conta onde coloquei meu número de telefone, lá na cantina.
- Céus! Era a garçonete? Puta merda!
- Então você sabe quem é a garota?
- Agora sei! Quando fui socorrê-la, não deu pra ver o rosto dela!
- Sei, sei. Não acredito nessa história toda... Pra mim é lenda sua.
- Que mané lenda! Eu quero falar com meu advogado! - disse me levantando.
- Ei, ei! Sossega aê, porra! Senta aí se não vai apanhar! - disse o delegado apontando pra mim - Vamos averiguar isso tudo, mas por enquanto vai ficar na cela!
- Eu não volto pra lá, eu quero meu advogado! Você sabe o que é exame de esperma? Examine e verá! E a garota? Perguntaram pra ela?
- Cala a sua boca, sabichão! Eu sei o que fazer e por enquanto é te colocar na cadeia! Ah! E a garota disse que não sabe quem a 'estrupou'!
- Mas sabe que não fui eu! Maldito seja, maldito seja! - disse erguendo o punho direito, enquanto dois policiais me seguravam.
Levei dois murros, um em cada lado do rosto e fui retirado da sala, carregado por dois policiais. Enquanto caminhava entre os guardas, um senhor com seus setenta anos de idade levantou-se da cadeira de espera da delegacia e se dirigiu a mim com uma arma.
- Filho de uma puta! Nunca mais vai 'estrupar' ninguém! - gritou apontando a arma para mim.
- Mas não fui... - fui interrompido pelo tiro da arma do velho.
Os dois policiais tentaram segurá-lo, mas o velho conseguiu atirar. No meu pau. Gritei olhando para o sangue saindo da minha calça.
- Velho filho da puta! Maldito seja! - gritei apontando para o velho.
O delegado saiu da sala correndo e viu a cena.
- Levem o rapaz para o hospital! Medeiros! Coloque o velho na cela, já!
Fui levado às pressas para o hospital que ficava a um minuto dali. Desmaiei no carro. Três dias depois, acordei numa sala de hospital precária e o delegado estava à beira do leito.
- Rapaz, você está bem. Levaremos você para São Paulo. A garota disse que não foi você. Desculpe pelo inconveniente, mas precisamos prezar pela segurança dessa cidade.
- Eu estou bem? Cadê o doutor?
- Um momento.
O delegado voltou com o doutor.
- Doutor, como está meu pau?
- Bem, ele precisou ser amputado, devido ao tiro - disse o médico olhando para o chão.
- Santo Cristo! Mentira! Mentira! - gritei me debatendo.
- Não tente se levantar, senhor Alberto. O senhor está em recuperação! - exclamou o doutor estendendo a mão em direção ao meu pau ou ao que sobrou dele.
- Delegado, você é um miserável! Se não fosse o mal-entendido, nada disso teria acontecido! É isso que vocês fazem às pessoas que querem ajudar?
- Não é bem assim... - respondeu o delegado constrangido pelos meus gritos.
- Eu vou processá-lo! Pode esperar! Pode esperar!
Gritei por mais alguns minutos até que eles, sem paciência, se retiraram. Chorei olhando para os curativos na região íntima e lembrei dos curativos que estavam naquele mesmo lugar, mas num tempo distante, após uma cirurgia de fimose quando eu tinha quatro anos. Me levantei cuidadosamente e caminhei rumo ao corredor. Olhei ao redor e não havia ninguém. Parecia que o pronto-socorro estava vazio. Andei vagarosamente até uma outra sala.
- Prefiro morrer a viver sem meu pau - sussurrei.
Cheguei na outra sala, onde havia apenas um paciente cheio de tubos, dormindo. Avistei uma mesa e um bisturi acima dela. Segurei o bisturi e cortei a garganta do paciente adormecido. Um corte preciso, de um extremo ao outro. Depois desferi vários golpes de bisturi em seu peito, fazendo brotar um chuveiro de sangue em sua roupa. Limpei o sangue no lençol do leito e ganhei o corredor novamente. Lentamente me aproximei da recepção e uma mulher estava de costas, sozinha, sentada numa cadeira. Surpreendi a coitada com um murro em suas costas. Ela deu um grito agudo e caiu no chão. Cortei sua garganta também. A mesma precisão cirúrgica. Eu era bom nisso. O assassino sem pica. Enchi as costas dela de furos. Mais chuveiro, mais sangue. Dei uma risada e me levantei. Os pontos da minha região pubiana soltaram e começou a aparecer focos de sangue na minha calça larga de hospital.
- Foda-se! Não sou mais ninguém.
Lembrei do que um amigo meu, o Eduardo, disse um dia:
- Man, o homem sem grana é um apenas um pênis.
Eu já não tenho grana. Agora não tenho pênis. Logo não sou nada. Dei outra risada.
- Du, você fará falta lá no inferno! - falei em voz moderada, enquanto lipava o bisturi no vestido da moça.
O sangue jorrava cada vez mais na minha calça, e eu começava a sentir uma fraqueza. Minhas pernas tremulavam e eu sentia uma tontura horrível. Voltei ao corredor, aos tropeços, e encontrei outra sala. Um dos pacientes dormia, mas o outro estava com os olhos abertos, soturnos, mirando a parede. Ele me avistou.
- Ei! O que você tá fazendo, rapaz?
- Cala a sua boca, maldito!
Me aproximei do paciente que dormia e cortei sua garganta. Corte fácil, o rosto era pequeno, foi rápido. Mais furos no peito. Mais chuveiro, mais sangue.
- Minha Nossa Senhora! Socorro! Socorro! Me ajudem aqui! - gritou o paciente desesperado, batendo no suporte de soro.
- Cala a boca, caralho! - ordenei enquanto me dirigia a ele.
- Sai daqui! Sai daqui, desgraçado!
De repente a porta se abre com violência. Era o delegado com a arma apontada para mim.
- Largue o bisturi, Alberto!
- Então me dá sua arma! Quero morrer! - respondi ao delegado, enquanto eu segurava a cabeça do paciente que estava desesperado.
- Sem chance, rapaz! Largue o bisturi!
- Você vai me matar? Me mata!
- Você está louco! Solte esse bisturi!
- Delegado, seja sincero - o paciente tentava se debater e sem querer o cortei no queixo - você viveria sem seu pau?
- Eu não sei! Mas largue o paciente!
- Não! - gritei e comecei o corte da garganta, esperando um tiro fatal.
O delegado não pensou duas vezes e atirou duas vezes, no meu braço.
- Desgraçado! Atira na minha cabeça! - praguejei me contorcendo de dor.
O delegado chutou o bisturi e deu um chute na minha perna.
- Vai pra cadeia, moleque!
- Não, por favor, me mata agora! Diz que foi legítima defesa. Matei três pessoas aqui, você será o herói!
- Você tem razão, desgraçado - disse o delegado apontando a arma pra minha cabeça.
- Obrigado. Você me devia essa - agradeci sorrindo, olhando para cima, para o rosto do delegado.
Ele fechou os olhos e atirou. Meus miolos voaram por todos os lados. O paciente com o queixo cortado fazia o sinal-da-cruz em meio ao desespero.
No dia seguinte, lá em São Paulo, meu chefe segurava um jornal e comentava junto ao funcionário puxa-saco e fofoqueiro:
- Puta merda! O Alberto não só estuprou com assassinou pessoas em série! Caralho!
- É chefe, ainda bem que o senhor deu a licença pra ele, hein? Já pensou?
- Já pensei o quê?
- Já pensou se ele tem esse surto aqui na empresa? Estupra a recepcionista e esfaqueia a gente?
- Pensando por esse lado...
quinta-feira, março 06, 2008
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