quarta-feira, outubro 31, 2007

Primeiro dia: primeiras impressões sobre o marasmo

Pensei: cacete, será que o Diego vem ou não? E de repente o celular toca, acusando chamada vinda do celular do próprio Diego:

- Man! Tô em frente ao supermercado Dia.
- Peraê que eu já vou aí te pegar.

Ele estava sério com um cigarro na boca e portava um boné na cabeça, graças ao corte de cabelo que ele julga ser ridículo. Peguei a mochila dele enquanto ele ajustava a guitarra nas costas. Chegamos em casa e a espera foi longa. Isso ocorreu lá pelo meio-dia e só saímos às nove da noite. Nesse período de espera bebemos cerveja, que trincava e mesmo sendo Brahma, descia redondo. Assistimos boa parte do filme escrito pelo nosso ídolo Charles Bukowski: Barfly - Condenados pelo Vício. E enquanto morríamos de rir do filme, minha mãe chegou, nos apressando para a saída. Fomos até à casa de minha avó para fazer uma refeição rápida na base de macarrão à bolonhesa. O Marcelo, namorado de minha mãe nos esperava lá, se recuperando de uma crise de pressão alta. Por Cristo, fazia calor, muito calor, ao ponto de ser registrada a temperatura de 36 graus no largo do Cambuci. Saímos da casa de minha vó petiscando doces de beterraba (o Diego queria roubar mais um, mas minha avó é uma sentinela eficiente quando o negócio é vigiar comida em sua cozinha.

O Celta estava abarrotados, com dois baús, um baixo, uma guitarra, quatro malas e umas barras de metal. Nos acomodamos em nossos lugares e partimos. O céu estava carregado e o vento de forma estranha mudou sua intensidade e força, anunciando a vinda de uma forte chuva. Ao chegar na Dutra, meu joelho que estava muito dobrado devido ao modo como as coisas estavam compactadas, começou a doer muito. Não poderia resistir uma viagem de quatro horas daquele jeito. Paramos na beira da estrada e troquei de lugar com minha mãe, que se acomodou atrás enquanto eu me aliviava com a liberdade que meu joelho gozava. A viagem foi em seu começo, sem nenhuma trilha sonora, e a estrada era escura e tortuosa me levando a pegar a case de discos e puxar aquele disco tão lindo, gravado pela Mih, e escrito pela Mih, com desenho da Mih. Era uma coletânea de sucessos dos Los Hermanos, banda que mais me faz lembrar da minha pequena. Nesse instante, minha mãe dirigia o carro e assim o faria até chegarmos ao nosso destino. O Marcelo, lá de trás perguntou:

- Felipe, você não vai dormir, né?
- Enquanto esse disco rodar, não tem como. Fica tranqüilo - respondi consciente que não havia como dormir diante de tantas lembranças da minha pequena.

O disco rodava canções que me faziam vislumbrar aquele sorriso dela, aquela risada maluca dela, o abraço dela. Céus! Como eu poderia ficar longe dela por um mês e alguns dias? Meu dilema se intensificava, porém eu me tranqüilizava ao pensar que logo, logo ela estaria lá comigo, me fazendo rir, me fazendo companhia.

Me auto-responsabilizei em manter minha mãe acordada, não queria que a merda se instalasse e o carro rodasse graças a um sono repentino. Eu a mantinha acordada, comentando sobre a música, sobre o português bem empregados nas canções, sobre as letras disconexas, sobre o tempo que a banda deu e os trabalhos paralelos dos integrantes, como a Orquestra Imperial que entrete a Mih enquanto os Los Hermanos não voltam à ativa. Fizemos uma parada onde comprei dois maços de Lucky Strike. O Diego e eu sentamos e fumamos um pouco enquanto o Marcelo e minha mãe comiam e bebiam algo no bar. Fomos ao banheiro mijar e logo estávamos no carro, indo em direção e em alta velocidade para o destino.

A viagem permaneceu naquela linha: eu utilizava de meus conhecimentos musicais para entreter minha mãe, até que coloquei uma coletânea dos Rolling Stones. O disco comeou com "You Can't Always Get What You Want" e o Diego lá atrás, apreciava o som, mesmo tendo confessado em tempo atrás que não curtia muito a banda. Mas ao poucos ele foi se encantado com músicas que não tocam por aí, como "I Can't Get (No Satisfaction)" ou "Start me Up". Minha mãe ficou entretida com histórias que eu contava, como quando a música "Angie" tocou e ela ficou sabendo do caso entre Mick Jagger e David Bowie e que essa referida música era um pedido de desculpas de Jagger à Angela (Angie) Bowie, esposa do David. Cacete, vai entender esses caras.

Atravessamos a medíocre Taubaté em dez minutos. A cidade é tão sofrida que o slogan de turismo da prefeitura é: "A nossa maior atração é você". Pudera, cidade sem graça, sem nada pra fazer, soturna e pálida, transferiu ao visitante a responsabilidade de ser a atração do lugar. Puta merda, que lugar mais sofrido.

Paramos no Canto do Curió (não sei o nome ao certo), onde há um restaurante coberto de escaravelhos. Um era tão grande que encheria uma caixa de cigarro facilmente. Eles voavam por todos os lados.

- Cacete Diego! Olha isso! - disse eu me afastando com um salto.
- Ahhhhh! Afff, mano, credo, detesto insetos! - confessou Diego em meio ao nojo do bicho gigante

Enchemos a garrafa com água límpida e pura da bica do Curió e fumamos uns cigarros. Voltamos ao carro agora em definitivo. Os Stones continuavam, e a conversa continuava a todo o vapor. Chegamos à serra, que descia por sete quilometros e Diego que dormia, acordou:

- Aê! Acordei na melhor parte.

Pelos deuses, minha mãe estava sentando o pé no acelerador, fazendo curvas aberta, freando bruscamento, enchendo nossas barrigas de frio. Eu que não gosto de dar pitacos sobre o modo das pessoas dirigir, fui obrigado a pedir que maneirasse na velocidade. Ela humildemente dizia:

- Tô correndo?

Imagina, se aquilo não fosse alta velocidade e direção de risco, eu sinceramente não sei o que era então. Mas ela dirige bem, e logo pegou a manha das curvas e chegamos sãos e salvos na terra plana, no litoral. Finalmente chegamos à Ubatuba, a capital do surfe. Fomos vagarosamente passando pelas ruas lotadas de lombadas enquanto o Marcelo nos mostrava as alegrias e vantagens de viver na cidade. Ubatuba realmente tem um ar acolhedor e úmido.

Chegamos ao condomínio de casas de aparência igual, porém diferentemente adornadas. Descarregamos o carro e o cansaço havia se apoderado de nossos corpos, porém não havia como dormir, pois havia uma empolgação no Diego que o mantinha acordado e eu no embalado, meio empolgado, meio angustiado com a ausência da Mih, fiquei acordado. Começamos a destrinchar as lembranças do trabalho. Mulheres que aguentariam uma orgia. Fizemos a lista (que não era escassa) e rimos muito, deitados em nossos colchões, em meio àquele calor que apenas o quarto apresentava. Sugeri que pegássemos o whisky pocket que eu tinha na mochila e o bebessemos puro. Ficamos na sacada, curtindo a brisa do mar, o ar úmido e nossos Lucky Strikes, que dançavam perfeitamente com o sabor do whisky. Logo a bebida subiu e o sono se apoderou de nós. Nossas vozes assumiam tons sombrios devido ao raciocínio lento e o cansaço. Até que o Diego soltou o primeiro ronco. Fim do primeiro dia.