sexta-feira, julho 16, 2010

Uma Foda Empatada

São Paulo é uma maldita cidade tropical. O calor é só um ingrediente picante dentro do caldeirão infernal que essa selva falida reúne. Poluição, ar seco, muito barulho e cheiro de sovaco sofrido. Mas quando o frio assalta o clima, ele vem como um arrastão carioca. Se na segunda-feira você praguejou contra o calor, pode ser pego de surpresa no dia seguinte ao acordar. Você acorda inconsciente de madrugada atrás de um edredom ou cobertor para aliviar a brisa gelada que se abriga no escuro. Hoje é um dia desses. Acordei e já era uma da tarde, com o nariz gelado e tossindo ainda mais que o comum. Quando fui dar a mijada matinal, mal encontrei meu pau entre os pentelhos e adivinhem só: errei a mira e acabei molhando o chão. Toquei a descarga e fui procurar um pano de chão, mas lembrei que todos estavam deploráveis e jogados na lavanderia, esperando a minha misericórdia, quando eu os lavaria. Bem, após todo o trabalho desgraçado para limpar o banheiro, olhei para o calendário na cozinha e agradeci aos céus por hoje ser primeiro de maio, o dia internacional do trabalho. Sempre me perguntei o motivo dos trabalhadores descansarem justo no dia que homenageamos o labor. Hoje eu não me questiono, apenas relaxo. Quando faz muito frio, eu pareço um maldito inglês das músicas dos Kinks. Preguiçoso, bêbado e rejeitado. E para mim, o modo mais prazeroso de descanso é me recolher em meus pensamentos, bebendo até adormecer. Geralmente escolho um repertório triste para o frio e hoje não foi diferente. Os Kinks, que para mim foram melhores que os Beatles e os Rolling Stones, lideraram a minha parada pessoal de sucesso. Assim como um marujo britânico e barbudo em algum bar de má fama na zona portuária, me postei a beber e raciocinar sobre temas diversos. Fiquei juntando peças da minha vida, mas vi que o quebra-cabeça estava bem incompleto por sinal. ‘Sunny Afternoon’ começou a tocar e me identifiquei totalmente com a letra. O sentimento de perda e falta de orientação me assolou e assombrou. Acendi um cigarro e estou aqui estático:

My girlfriend run off with my card
And gone back to her ma’ and pa’
Telling tales of drunkenness and cruelty


Tá certo que a Bárbara não fugiu com meu cartão, mas eu realmente não sei o que ela vai dizer aos pais sobre mim. Talvez algum papo sobre eu ser um grande bêbado, mas cruel? Talvez eu seja bem cruel comigo mesmo, mas tenho sido um bom amante. Mas não um bom companheiro, seja lá o que isso signifique. Eu sempre canso as minhas namoradas, eu sempre sou acusado de não ter ambições, mas com todos os diabos, eu não nasci para ambicionar, para passar por cima das pessoas em prol de meus objetivos. Sei lá, acho que não me vendi para o capeta e pago o preço com essa vida pacata e miserável. As mulheres são realmente farinha do mesmo saco. Se um homem não pode garantir estabilidade financeira, a mulher descamba para outro. Malditas sarnas do demônio. Estou bem aqui sozinho, aliás, acho que já estou começando a divagar demais. Estou bêbado.

O telefone tocou. Era o Maulin, um bom camarada porém muito estressado. Ele chegou ontem lá pelas oito da noite e só saiu às duas da madrugada após ser enxotado por mim, segundo seu relato. Quando bebo acima do suportável, tenho o péssimo costume de expulsar as pessoas de minha casa. Acredito que a Bárbara irá relatar isso aos pais dela. Que ela vá para o inferno, antes que eu me esqueça. Maulin vai aparecer mais tarde pra gente terminar as duas caixas de cerveja que sobraram aqui. Isso se eu não acabar com tudo antes.

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Nelson foi despertado pelo telefone que tinha um toque muito alto. Pulou do sofá de dois lugares completamente manchado por todos os líquidos imagináveis e correu para atender a chamada.

- Pois não – Nelson atendeu o telefone tentando desenrolar o fio do aparelho.
- Nelson, é o Maulin. Mudança de planos. Temos duas opções: ou vamos ao Tchê jogar uma sinuca e beber ou você vem pra cá.
- Pra cá onde?
- Meu apê. A Agnes não está se sentindo muito bem, está meio tonta. Nem vai rolar deixá-la aqui sozinha. E ela disse que prefere ir ao Tchê a ir na sua casa.
- Você não engravidou a desgraçada, né?
- Pelo amor de Deus, Nelson, vai se foder... Você sabe que não existe nada entre eu e aquela drogada.

Agnes era uma mulher alta, cabelos ondulados e castanhos, assim como eram seus olhos. Trinta e sete anos, assim como era o tamanho do pé. A cara era de um desgaste descomunal, graças a anos de frustrações e bebedeiras como escapatória. Havia largado as drogas, mas todas as substâncias químicas haviam comprometido seu modo de pensar e reagir a certos imprevistos da vida. Ela estava rumando para a plataforma da loucura e Maulin era o único ser que se locomovia na Terra que podia suportá-la, dando moradia a ela.

- Sei. Bem, essa Agnes é fresquinha, hein? Só porque aqui é um pouco sujo? E não quero ir ao Tchê. Não dá mais pra fumar lá, e você sabe que sinuca e rock sem cigarro não rola. Maldito José Serra e essa lei anti-fumo. Aguarde a lei anti-sexo, man. Aguarde! – Nelson levemente embriagado sempre deixava aflorar seu lado esquerdista.
- Ei, ei! Não vai começar com essas porras de discursos! E então? Vem pra cá?
- Tá certo. Deixa eu me recuperar dessa dorzinha de cabeça e já saio daqui. Inté.
- Inté.

Nelson foi até a cozinha para comer algo e olhou para as caixas de cerveja. Pensou que teria que levá-las na mão. Praguejou um pouco e cortou um pedaço da peça de queijo que estava na geladeira. Abriu um pão francês e ao passar manteiga nele, pensou que deveria ter colocado o queijo dentro. Bocejou e comeu o pão com um pouco de café velho esquentado no micro-ondas. Após a pequena refeição, trocou de calça e colocou uma camisa xadrez. Amarrou o cadarço do tênis e foi até a cozinha para pegar as caixas de cerveja. Flagrou uma barata perto do fogão e pulou em cima dela, fazendo o sangue branco e viscoso do inseto se espalhar por um longo raio de alcance.

- Deus eterno! Maldita barata desgraçada! – praguejou Nelson enquanto pegava um pano de chão, sujo e deplorável para variar.

Nelson limpou a carnificina e jogou o pano no lixo. Lavou as mãos e colocou as caixas de cerveja a frente do elevador. Trancou a porta e desceu até o térreo.

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Eu não reclamo dessa vida que tenho. Eu simplesmente trabalho para pagar esses momentos. Não vejo beleza nenhuma na vida de família. Convidar outros casais e seus filhos para um churrasco em minha casa. Eu não consigo me colocar no lugar desses homens. Eu não me imagino com um filho sequer, tendo que educá-lo para a vida. Provavelmente um filho meu se transformaria em um tipo de maníaco, um bandido, um cafajeste odiado pelas mulheres. A Bárbara não queria ter filhos, era isso que eu gostava nela. Mas após alguns meses de relacionamento, tenho certeza de que, se despertasse nela um sentimento materno, com certeza eu não seria o eleito para plantar espermatozóides alucinados por um óvulo dela. Eu lhes digo: ela terminou o namoro com uma repulsa tão grande em relação a mim, que tudo o que eu fazia despertava ódio nela. O meu jeito de andar, o meu jeito de fumar um cigarro, o meu jeito de contar piadas. Ela me desprezou e com certeza vai me esquecer em um par de semanas. Malditas mulheres. Se aquele lance de Adão e Eva fosse verdade, as desgraçadas então deveriam ser amaldiçoadas. Era pra serem nossas auxiliares e agora querem tomar nosso lugar de líderes. Olha, pra ser sincero eu gosto muito das mulheres, mas acho que tenho um sério problema com elas. Acho que elas pedem muito e eu tenho pouco a oferecer. Os amigos são diferentes. Eles querem beber com alguém, falar sobre a vida com alguém, eles querem debochar de alguém e essas coisas eu tenho de sobra a oferecer. Agora se me pedirem dinheiro, será o mesmo que pedir alguma esmola para um mendigo. Simplesmente não faz sentido pedir dinheiro para mim.

Malditas caixas de cerveja, o plástico que as envolve está rasgando, vou ter que empilhá-las, só que preciso de uma mão livre para fumar.

Acho legal o apartamento do Maulin. Tem uma pequena sacada para fumar e olhar para o céu. E o Maulin é um cara esperto pra caralho. Mas o trabalho de gerente comercial está deixando ele de cabelos em pé. Está muito estressado, se queixando muito de tudo, e ainda tem a Agnes para tirá-lo do sério.

Eu não entendo o porquê daquele miserável dar abrigo a ela. A mulher é um furacão de problemas. Nos anos noventa ela era uma porraloca que vivia de bar em bar, de balada em balada causando problemas, perturbando as pessoas com sua voz fina e levemente fanha. Sua presença sempre causava transtornos, mas como na vida nada é unanimidade, sempre existiam pessoas que andavam com ela, se drogavam com ela e bebiam com ela. Ela esteve presa algumas vezes, esteve em clínicas de reabilitação também, enfim, era a palavra problema encarnada. Ela finalmente saiu dessa vida porque envelheceu. Um dia acordou e sentiu que brincar de ser jovem era ridículo. Quando olhou ao seu redor e só viu amigos de vinte e poucos anos para conversar, Agnes sentiu falta de pessoas experientes, pessoas com conteúdo. À medida que você envelhece, é natural perceber a falta de malandragem nas pessoas mais novas. E ela abandonou seus círculos juvenis de amizade e falhou miseravelmente em ingressar em grupos mais maduros de amigos. Ela era uma eterna garota de vinte-e-poucos-anos e sendo dessa forma, vivia criando intrigas infantis com adultos de cabeça feita. Hoje em dia, ela rejeita seus amiguinhos e é rejeitada por seus amigões. Maulin é o único homem maduro que de alguma forma misteriosa suporta seu jeito. Eu tenho quase certeza de que Agnes tem uma queda fodida por ele, mas ainda careço de provas mais concretas.

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Nelson chegou à porta do prédio e falou com o porteiro através do interfone. Após a confirmação com Maulin, a porta se abriu. Nelson o cumprimentou mas o velho porteiro nem virou o rosto. Ele sabia que a noite seria de perturbação e reclamações dos apartamentos ao redor de Maulin. Subiu o elevador e chegou à porta do apartamento. O prédio tinha quatro apartamentos por andar e era muito bem situado, ficando em Perdizes. Tocou a campainha.

- Entra aê, porra! – era Maulin gritando da cozinha. Ele preparava alguns frios para serem petiscados.
- Maulin, seu bosta, a porta está trancada!
- Agnes, porra, você trancou a porta! Que mania do caralho! Vai lá abrir!
- Já vou! – Agnes enrolava uma toalha em seus cabelos molhados.

Depois de três minutos, Nelson já havia aberto uma lata de cerveja quente e havia acendido um cigarro.

- Olá Nelson! – Agnes simulava uma voz aparentemente despretensiosa e esnobe, com um ar de leve superioridade e pouco entusiasmo, como se tivesse mil coisas a fazer.
- Opa, como vão as coisas? – Nelson deu um rápido beijo no rosto dela e seguiu direto pela cozinha.
- E esse cigarro aceso aí, Nelson? Velho, vão reclamar logo, logo, por fumar no corredor – Maulin despejava orégano nos cubos de queijo cortados.
- Se demorasse mais dois minutos, eu cagava na sua porta, seu lixo! – Nelson deu um abraço no amigo – Vou colocar as latas no congelador.
- Deixe na geladeira, hoje ta frio pra caramba.
- Você parece um australiano, man. Beber cerveja na temperatura ambiente? Eu vou deixar algumas latinhas no freezer, só pra garantir.

Maulin tinha um computador na sala, ligado ao seu aparelho de som e um jazz no mínimo alegre tocava freneticamente. Nelson se acomodou no sofá e acendeu outro cigarro. Reclamou da demora de Maulin e perguntou a Agnes se estava viva. Não recebeu resposta. De repente aquele jazz alegre se transformou em uma forma psicodélica e progressiva de tocar instrumentos. A bateria era tribal, experimental, era atraente como uma chama. Nelson ficou paralisado durante quatorze minutos, que era a duração da música. Após retumbantes batidas, insinuantes toques de saxofone e até ensandecidas dedadas em harpas, ele pulou do sofá e despertou de seu transe.

- Maulin! Que som é esse, pelo amor de Deus?!
- Art Blakey! – gritou Maulin com a boca cheia de salame.
- E ele toca exatamente o que?
- A bateria. A banda chama The Jazz Messengers.
- Puta que pariu! Isso que é som! – Nelson já havia se levantado e se postado junto à porta da cozinha.
- Esse cara é sensacional mesmo. Muitos bateristas do rock têm ele como referência. O cara é foda.
- Depois me lembre de te mostrar um músico etíope que achei. O cara é demais, de verdade. Música bem feita, sem frescura. Chama-se Mulatu Astatke.
- Caralho, onde você encontra essas coisas?
- Nesse caso foi num filme.

Os dois se juntaram na sala e começaram a discutir sobre música. À medida que as bebidas eram consumidas, as conversas começavam a descambar para um lado mais pessoal. Agnes se assentou no tapete da sala e ficou cutucando a unha do dedão do pé. A presença dela não os inibiu e eles continuaram falando mal de mulheres e citando suas bocetas, bundas e peitos. Ela apenas sorria, em silêncio, concentrada em suas unhas.

- Velho, a Clara era muito gorda! Como você conseguiu meter naquela bunda? – Maulin dava risadas, exibindo dentes cheios de casca de amendoim.
- Meter na bunda era fácil, o foda era meter naquela boceta velha. Mas sabe aquele papo de que as gordinhas têm mais tesão? Pura verdade. A garota era insaciável. E chupa muito bem por sinal.
- Olha, ela pode até me prometer orgasmos múltiplos com uma boa chupada, mas eu passo essa! Ela é muito gorda!
- Agora você me sentir mal – Nelson olhou pra baixo fazendo cara de menor abandonado.
- Cara, que Deus tenha misericórdia do teu pau, porque você não tem! Hahaha!
- Já chega desse papo. Ou quer que eu te lembre da Miss Jibóia?
- Do que você ta falando, Nelson. Você já comeu traveco, porra – Maulin abocanhou mais alguns amendoins.
- Mas eu não escondo isso de ninguém. Agora você estava se gabando de ter pego a melhor da balada, parecia uma miss Brasil e acabou sendo enrabado! Hahahaha!
- Ela não me enrabou porra nenhuma, Nelson! Corta essa! Ela tentou, mas não conseguiu – Maulin falava enquanto se levantava para buscar mais uma cerveja.
- Sei, sei. Miss Jibóia! Hahaha!
- Deixa ele, Nelson – Agnes se intrometeu.
- Você fica na sua, coração – e apontou o dedo para ela com ar de reprovação.
- Seu grosso, comedor de gordas – sussurrou com sorriso sarcástico.
- É melhor você ficar quietinha se não você vai começar a me chamar de comedor de loucas também.
- Você tem pau pequeno, Nelson. Por isso que come traveco.
- E o que tem a ver o cu com as calças?
- Você não me engana, seu pica mole.
- Mais uma palavra e além de comer gordas e travecos, vou comer seu cuzinho.

Agnes hesitou um pouco e considerou por alguns segundos o fato de Nelson poder cumprir sua ameaça. Ele estava bêbado e poderia fazer qualquer loucura. Ela também estava bêbada e começou a rir.

- Vai tomar no olho do seu cu, seu cuzão.
- Agora você vai ver!

Nelson se jogou em Agnes e enfiou a mão em sua calça de lycra. Ela dava pequenas risadinhas até quando ele conseguiu dar uma dedada no cu dela.

- Chega, chega! Eu fico calada! Hahahaha!
- Esse é um aviso, coração! Da próxima vez eu chupo seu rabo e meto nele – o tom de Nelson foi sensual e o seu olhar, maligno.

Maulin estava cagando enquanto essa pequena putaria acontecia.

- E a Bárbara, cadê ela? – Maulin perguntou enquanto enxugava suas mãos na camiseta.
- É, a Bárbara já era. Terminamos ontem. Ela é uma puta ingrata! – Nelson estava claramente alterado pelas cervejas.
- Bem, sei lá, é a vida, amigão. Elas sempre nos dão uma punhalada pelas costas – Maulin se juntava ao time dos bêbados e deixava a boca falar por si só.
- Vocês dois são uns desgraçados! A Bárbara só queria uma vida normal, ela não pode ser culpada por querer isso! – Agnes novamente se intrometia na conversa.
- Maulin, diz pra ela que eu vou comer o cu dela, diz! Diz pra ela, porra!
- Calma Nelson, calma Agnes. Vocês dois são mesmo uns putos, derrubaram a cerveja no tapete! – Maulin se levantou e rumou até a cozinha.
- Sua vaca, hoje eu vou gozar no seu rabo, pode escrever o que to dizendo - Nelson falava quase sem som.

Agnes apenas olhava para Nelson com um olhar levemente vesgo, um sorriso de canto e fazendo sinal positivo com a cabeça. Maulin tentou absorver o máximo de cerveja com o pano e voltou para a lavanderia. Agnes levantou-se e foi até o computador para trocar de música. ‘Evil Woman’ do Black Sabbath começou a rolar e Nelson captando a mensagem que Agnes tentou passar pra ele, a juntou nos braços.

- Você não ta mais pra crazy woman do que evil woman, sua puta. Hoje eu vou te possuir, ta me ouvindo?
- Vai comer ela, Nelson? – Maulin novamente chegou secando as mãos úmidas em sua camiseta.
- Se ela não sossegar o facho dela, vou dar surra de pau mole nela - dizendo isso, Nelson soltou Agnes e a empurrou rumo ao sofá.
- Só pode ser de pau mole mesmo, seu comedor de baleias! Hahaha!
- Sai daqui, sua vaca! – Nelson apontou para a porta, a expulsando do apartamento.
- Ei Nelson, aqui não é sua casa! Se quiser, você saia fora! – Maulin se exaltou lembrando da noite anterior quando foi enxotado bêbado do apartamento do amigo.
- Eu ficarei, pelo bem da nação! – respondeu Nelson com a mão erguida, apontando para cima, como se estivesse declarando a independência de algum país.

Os ânimos se acalmaram e eles voltaram a conversar civilizadamente. Maulin acendeu um charuto pra ele e pra Nelson e disse para Agnes que aquilo é coisa pra homem. Agnes contrariada foi trocar de música.

- Porra Agnes! Não dá pra ouvir uma música por inteiro? Tem que ficar trocando, trocando? Cacete! – Nelson reclamou com o charuto deslizando por sua boca.
- Juro que é a última que coloco, sério!

Ela clicou na música e correu para a cozinha. ‘Ballade de Melody Nelson’ começou com a voz de Serge Gainsbourg, o grande ídolo de Nelson. O ritmo cheio de suingue da guitarra o fez rir. Prontamente ele se pôs em pé e foi até Agnes. Na cozinha, ela já o esperava com o mesmo sorriso diabólico e sedutor que ela tanto utilizara em seus trinta e tantos anos de vida.

- Você é foda, mulher. Vem aqui – Nelson a pegou pelo cabelo e lhe deu um beijo na boca.

A língua de Agnes parecia uma serpente enlouquecida, longa, lisa e intensa. Nelson sentia dificuldade em acompanhar os movimentos da língua dela e para tentar quebrar o gelo, enfio a mão novamente dentro de sua calça apertada. Desta vez foi pela frente, e se ela era frenética com a língua, ele iria mostrar sua destreza com os dedos. Maulin dava risada com ‘En Melody’, a canção que se iniciava. Nela gemidos e risadas femininas serpenteavam pelas ondas sonoras. Até o momento que a mulher, na metade da música, dá uma risada longa e fanha.

- Ah, que putaria de som... – Maulin balbuciava com o charuto todo babado em sua boca.

A atmosfera que se formou com o som de Gainsbourg apenas atiçou o desejo do casal na cozinha. Soltaram todos os seus demônios, como todo humano faz quando está bêbado. Nelson a virou para a pia e abaixou sua calça. Quando puxou a calcinha, ela rosnou.

- O Maulin não vai gostar disso!
- Corta essa, sua vaca! Agora você vai dar gostoso pra mim. Você ta gostando, olha como ta molhadinha – Nelson esfregava seu dedo médio no clitóris dela.
- Não, Nelson, não! Pára de esfregar esse pau na minha bunda!
- Filha de uma puta! – Nelson guardou seu pau e levantou a calça jeans surrada.
- Ei, você vai pra onde?
- Vou cagar e talvez bater uma punheta pra que meus bagos não fiquem doendo, sua vaca – respondeu enquanto acendia um cigarro e se dirigia ao banheiro.

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Maldita vaca. Maldita seja. Agora meu pau ta todo melado e nem consegui gozar. Eu detesto beber por isso, sempre acontece! Acabo comendo qualquer lixo que apareça, enfio em qualquer buraco. Vaca do caralho! Onde eu que eu tava com a cabeça? Eu nem sei onde essa boceta passou. A Agnes parece uma farofa de churrasco, todo mundo passa a linguiça, e eu metendo nela sem camisinha... Nelson seu cabaço do caralho! Deixa eu lavar essa merda.

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Nelson saiu do banheiro sem cagar e sem bater punheta. Ficou intrigado demais com as palavras AIDS, Cazuza, Freddie Mercury, gonorréia, sífilis, cancro mole e duro. Lavou seu pau três vezes, esfregando com afinco. Chegou na sala e viu Maulin adormecido no chão, encostado no sofá. Agnes estava só de calcinha e de bruços, apagada em cima do mesmo sofá. Nelson mandou eles para o inferno e tirou os sapatos e rumou para o quarto de Maulin. Avistou o mimo de seu amigo, uma pequena adega eletrônica cheia de garrafas caras de vinho.

- Um dia eu quebro essa merda, Maulin, e bebo tudo – Nelson desmoronou na cama confortável do amigo.

Quando Nelson adormeceu, era quatro da manhã. Quando acordou, já era sete e meia, mais ou menos. Foi mijar, se dirigindo ao banheiro com passos lentos, apertando sua cabeça devido à ressaca assombrosa. Ao sacar seu membro, verificou uma textura diferente. Era a única palavra que ele não lembrou na hora em que tentara cagar há horas atrás. Verrugas. Eram três pequenas verrugas que nasceram bem distribuídas pela extensão de seu pau. Ele suou frio e esqueceu de mijar. Ficou tentando arrancá-las num ato de extremo desespero. Foi em vão, elas permaneciam firmes e nojentas.

- Caralho, mas nasceram tão rápido! Saiam suas malditas! – Nelson riscava as anomalias com força.

Ele lembrou de que ia mijar. Manteve a calma, respirou fundo e mijou uma urina clara e abundante. Tocou a descarga porém não levantou sua calça, nem a cueca. Caminhou friamente até a sala e se assentou ao lado de Agnes que continuava apagada, agora dormindo de lado. Maulin havia despencado e dormia em posição fetal, aquecido e completamente entregue ao sono. Era sábado, não havia preocupação com o trabalho. Nelson iniciou uma masturbação descontraída, relaxante. Pensava em Bárbara, sua ex-namorada, uma descendente de italianos, de cabelos vermelhos e ondulados, seios fartos, bunda arredondada e sem excessos. Ela tinha um rosto com traços fortes, exatamente como as mulheres daquele canto da Europa.

- Ah Bárbara, só bastou você sair da minha vida para eu começar a fazer merda... – resmungou enquanto pensava na cena que mais o marcou no curto relacionamento, quando Bárbara cavalgava em seu pau, gritando como uma louca.

Nelson aumentou a intensidade de seus movimentos e começou a sentir o esperma chegar. A cabeça de seu pau estava roxa, tamanha era a força com que Nelson o apertava. Ele soltava pequenos gemidos e de repente levantou se inclinou sobre Agnes, levando seu pau até o rosto dela. Gozou fartamente, toda a porra acumulada da foda empatada da madrugada. Sêmen jorrava incessantemente entre o cabelo e o ouvido de Agnes. Ela não se mexeu, não manifestou um sinal de vida sequer. Maulin permanecia como um feto morto num útero quente. Nelson estendeu sua ejaculação através de boa parte do cabelo dela. Agnes sonhava com campos verdejantes, com vacas, com leite. E não se mexeu nem um pouco.

- Sua vadia suja. Se eu peguei AIDS, eu te mato... – Nelson sussurrou lentamente no ouvido melado de Agnes.

Limpou seu pau na calça de lycra dela, que jazia em cima de uma cadeira. Levantou sua cueca, sua calça e a abotoou. Sacou um Lucky Strike e o acendeu. Parou para pensar um pouco, na sacada do apartamento. Terminou seu cigarro e amassou a gimba no cinzeiro. Pegou o cinzeiro e o virou em cima da cabeça de Agnes, despejando muita cinza e gimbas amassadas. Nelson apenas deu uma risada, balançando a cabeça lentamente e negativamente. Pegou sua caixa de cigarro, seu celular e deixou o apartamento. O porteiro o olhou com reprovação novamente, mas estava feliz porque seu turno estava por terminar. Nelson apenas ganhou a rua do bairro de Perdizes. Seus olhos se fecharam pois o sol estava livre e bem vivo no céu, porém arremessava raios fracos naquela manhã fria. Ele sorriu porém logo fechou o seu semblante.

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Preciso urgentemente fazer uns exames. Todos os que forem precisos. Deus do céu, um dia meu pau vai cair, com tanta cagada que faço. Como sou estúpido! Espero que o Maulin não fique chateado com o novo visual daquela vadia. E se ele ficar magoado, pau no rabo dele. Preciso de um croissant de presunto e queijo e um café espresso, daqueles bem fortes. E preciso comprar mais cigarro. Puta que pariu, onde acho uma padaria nessa merda de lugar?

Um comentário:

Anônimo disse...

Puta merda, ótimo texto! Se bobear, um dos melhores que já li aqui, cara.