terça-feira, julho 29, 2014

O Profeta e a Turba

Um dia descobrirás
Que tudo não passa de ilusão
Mas certamente estranharás
A ausência da iluminação

O desapego me é amigo
A meditação um abrigo
Onde estará a acesa chama?
A libertação, o Nirvana?

Lamentarás ao olhar para trás
No caminho sem esplendor
Em compreensão repentina e sagaz

Notarás ter esquecido o amor

Não há luz nos becos da fuga
Passos de medo emitem mais sons
Tinham razão, o profeta e a turba
O amor é o maior dos dons

quarta-feira, julho 16, 2014

O Sentido das Engrenagens de um Mingau Frio

Será que a vida não passa de um acidente? Afinal, qual é o sentido de ser bom? Qual é o sentido em fazer o bem ao próximo? Será que existe algum sentido em ser mau? Existe sentido em algo? Ou estamos apenas flutuando, girando ao redor de uma estrela entre tantas trilhões que existem por aí?

Eu não sei qual é o sentido das coisas. Você encontra pessoas que mudam sua vida e elas vão embora. Você ouve Canção da América e começar a sentir o coração como se fosse uma uva passa. Enrugado, mínimo e escuro. E que canção. Você para pra pensar que em muitos casos, o tempo passou e as relações, muitas delas, esfriaram assim como é natural um prato de mingau esfriar. No começo comemos pela beirada, na ansiedade da fome, do desejo. E assim é com as amizades. No inícios forçamos tudo, raspamos de forma singela a beirada endurecida daquele simples prato. E assim é com a amizade. É coisa simples, como um prato de mingau de maizena. Quando menos esperamos, o mingau já pode ser devorado pois está morno. E o que sobra? Aqueles freios gelados, resquícios das colheradas que desferiam ruidosos riscos ao prato. E assim é com a amizade. Depois de tudo, você despeja o prato na pia e vai pra sala. Vai ouvir a Canção da América. Que canção. Você acabou de comer um mingau e nem percebeu que de repente comeu o sentido das coisas. Ou a explicação para alguma coisa. Ou um simples paralelo. Rostos passam por sua mente, movidos por uma soturna engrenagem. Quantos amigos não se foram por aí, caminhando por trajetos que nunca imaginei? Quantos amigos eu não imaginei como amigos para toda a vida. E hoje não estão aqui. Não estão nem sequer ali.

"Qualquer dia amigo eu volto a te encontrar".

Aí você se questiona, "mas por que diabos precisamos perder pessoas?", "por que não podemos amar a todos?", "por que a vida é assim, tão transitória?", "por que tudo muda?", "por que queremos que tudo fique do mesmo jeito?". Você se pergunta "por que existe sempre o outro lado da moeda?", "por que apenas não somos pra sempre?", "ou apenas mudamos toda hora?", "por que a estagnação opõe a mudança?" Aí você desliga a música e percebe que teria que questionar o porquê da vida se opor à morte. Ou seria que a morte se opõe à vida?

Não, você não quer mais pensar na vida. Nem eu. E nem queremos pensar no mingau das amizades. Nem na engrenagem que faz tudo girar ou na colher que pode travar tudo que gira. Se tudo travar, morreremos? Ou apenas viveremos sem entender mais nada? Peraê! A engrenagem parou? Qual era o sentido da engrenagem mesmo?

Nada faz sentido por aqui, né? Mas você sabe se algo realmente tem sentido?

sábado, julho 12, 2014

Afogado

Eu pergunto aos céus, ao inferno. Ao purgatório também. À todas as almas salvas ou condenadas. Aos anjos, aos deuses, ao Criador. Sim, eu pergunto: o que eu fiz da minha vida? Quando eu era criança, costumava esperar dos céus. Esperava um sussurro de um espírito celeste. Um sussurro de Cristo. Eu esperava que um anjo aparecesse com um bandeja, austero e viril porém com olhar doce. Esperava que naquela reluzente bandeja a resposta estivesse lá, resplandecente, saída das mãos de Deus. Hoje vejo as silhuetas que a fumaça do cigarro formam nesse ar seco do Planalto Central e me distraio. Talvez seja melhor assumir minha característica mais escancarada: a distração. Talvez se eu não me concentrasse nos cantos, na pia, na casa dos homens onde verti minha vida, talvez seria melhor. Mas no fundo da minha alma eu grito por luz. Sim, eu quero luz. Quando tento me conformar com a dor, quando tento assumir minha limitação, quando simplesmente olho para a perna que não existe mais, arrancada pelas frustrações, caduco, saltito de desespero. No fundo de minha alma eu grito que quero mais. Sim, eu quero mais. Oh vida, o que fiz de você? Ou o que diabos você fez de mim? Acredito que aquela fatia mais doce da vida ficou na mesa de pessoas impiedosas. Que me amaram e me fizeram mal. Eu apenas fui levando, aprendendo aos trancos e barrancos. E não havia um farol sequer na costeira para me lançar sinais. Um sinal que fosse. Apenas olhos de homens, com olhos sombrios. Olhos escuros sem aquele brilho que tanto desejei. Sempre busquei ser guiado por pessoas e nunca prestei atenção que eu guiava. Mas cegos que guiam cegos causam tragédia: um abismo fica cheio deles. Mas acredito que não era cegueira, era distração.

Vida, o que fizemos?

E aí joguei tudo fora, alvoroçado. Desvariei. Perdi a noção da hora. Sonhei e ao sonhar rompi com o mundo. Naveguei em navios por toda a vida, pulando entre eles, alternando entre eles. E de repente os queimei em pleno oceano revoltoso e pulei contra as ondas. Ávido de mar. Amei o amor urgente, salguei minha boca com a maresia, sentindo as costas lanhadas pela tempestade. Nadei até fraquejar, clamei por um grande peixe para me engolir e me vomitar em terra firme. Mas eu sabia que não estava contrariando uma ordem divina. Lamentei. Engoli água, boiei com as algas, arrastei folhas, carreguei flores e me desmanchei. Não olhei nenhum momento para os céus, exceto o momento em que os trovões pararam. Foi ali que encontrei a paz. Mexi minhas pernas como o entrelace de penas numa cama de paixão. Mas não as sentia. Meu coração batia forte, pulsava, pulsava. A correnteza me guiava, mas todos os músculos estavam exaustos. Ergui meus olhos para avistar a terra, mas para minha surpresa, percebi que havia dado meus olhos para alguém. Um rosto sem olhos. Com que cara vou partir? Sem a visão que conforta todo o corpo, que nos aquece nas ilusões da vida, como hei de partir? Com a correnteza misteriosa que nos leva pra cá e pra lá aos caprichos dos ventos retumbantes, pra onde que é que ainda posso ir? E mesmo que chegasse a uma praia, sinto que não resta em mim força, não me resta energia para um piscar de olhos (se ainda os tivesse). Queria apenas amar o amor serenado, das noturnas praias. Aí pergunto aos céus, ao inferno. Ao purgatório também. À todas as almas salvas ou condenadas. Aos anjos, aos deuses, ao Criador. Sim, eu pergunto: com que pernas eu devo seguir?

No levitar das águas, no borbulhar das águas salgadas, a noite é eterna. Senti minha mente acalmar, como se me entregasse aos braços dessa misteriosa eternidade. Mas eu não tinha as travessuras dela. Nadei como um peixe ferido por um anzol, recém fugido do pescador. Busquei refúgio nela, aquela que andava nua, ávida de mar e que amava como uma pagã, mas esqueci que o oceano é infinito. Se eu fosse uma gota de sangue, teria errado de veia e me perdido na bagunça do coração dela. Me perdi na ironia da vida ao sentir um destroço de um dos navios que queimei. Não tinha forças para me abraçar a ele. Ele cheirava a queimado.

Aí perguntei aos céus, ao inferno. Ao purgatório também. À todas as almas salvas ou condenadas. Aos anjos, aos deuses, ao Criador. Não, não perguntei. O silêncio do mar durante a noite é o mesmo silêncio dos céus. E talvez a dor do inferno seja o silêncio.

Cortei o silêncio, mas não o feri com uma canção de glória ou uma santa melodia. Engasgado com água, catatônico, com brilho no rosto que há muito não se via, teimei em balbuciar aquele ingrato mantra das almas condenadas, das almas perdidas e afogadas.

Eu te amo.