terça-feira, dezembro 08, 2009

A Última Donzela e a Cartola

O cigarro de Fernando havia se consumido, chegando ao filtro branco adornado por uma linha prateada e pelo símbolo simétrico do Lucky Strike. Mas ele não imaginava este pequeno fato isolado no universo de fatos que orbitavam pelo bar. Risadas, gargalhadas histéricas, pequenos murmúrios e falácias, muita falácias entravam em simbiose no denso e escurecido ar do recinto. Catarina embriagada, vez em outra se achegava a Fernando e o abraçava, beijando-o no pescoço. Era um pequeno mimo que significava sua intenção em ficar com ele naquela noite. E Fernando sabia do costume de sua amiga, afinal, foram meses a fio beijando aqueles lábios, porém sem nunca fazerem sexo. Catarina era magra, no significado exato da magreza, mas mantinha um charme incrível e uma inconseqüência que atraía Fernando aos seus braços. Era uma inveterada fã do rock, e ele também, o que os fazia atravessarem horas em conversas sobre o assunto. Os dois sempre que possível andavam juntos, vestidos de maneira perecida, ostentando bandas de seus gostos em suas camisetas. As pessoas achavam que eram namorados, e não era só pelo fato de costumarem ficar um com o outro, mas também pela incrível compatibilidade de suas almas.

- Vamos lá, porra! Mais vinho! – gritou Fernando em tom alcoolizado.
- Vamos fazer vaquinha, todo mundo dá um real, dois reais e tá feito! – alguém agilizava a contribuição.

As mãos de algum pobre diabo disposto a arrecadar dinheiro, se formavam em concha e abordava um a um, procurando captar o máximo de recursos. O fim das doações havia chegado ao fim e a mixaria de quatro reais e quarenta e cinco centavos havia sido contada. Isso dava para duas garrafas de vinho, um vinho tão ruim que se aproximava do vinagre. Um verdadeiro suicídio, lento e devastador. Aquela era a sexta vez que o grupo entrava no mercado para comprar vinho. Novamente duas garrafas. Todas as vezes que o grupo entrou para comprar a bebida, sempre levavam ao caixa duas garrafas de um litro. Só que dessa vez o grupo cambaleava em meios às gôndolas da seção gelada de frios. Entraram à direita na seção de enlatados que lhes dava a distância de vinte passos da seção de bebidas. Parecia pouco, mas os passos eram calculados e lentos, para que não houvesse uma queda coletiva e constrangedora. Finalmente chegaram à seção cheia de garrafas, ataviada com as mais belas bebidas que o mundo pode comportar. Fernando e Catarina andavam de braços dados, rindo e procurando em meio aos giros da visão, as garrafas da perdição. E a perdição estava escassa, afinal, sobraram exatamente duas garrafas. Surrupiaram rapidamente as garrafas e continuaram a longa jornada até o caixa rápido. O casal já havia passado por porres bem piores que esse, e administravam a alegria gerada com generosidade, irradiando sorrisos, acenos, gritos eufóricos. Eles encantavam a todos no lugar e todos encantavam aos dois. Após o grupo beber de forma ensandecida cada gota do vinho amargo, cada um começou a decidir seu destino na noite.

- Ah! Hoje eu vou ao pagode! – alguém cheio de entusiasmo exibia sua pretensão.
- Credo! Pagode! Aff! – outro alguém protestava
- Fernando, vâmo pra Augusta! – sugeriu Catarina com sorriso devasso.
- Ah! Não sei, o que acha Marlon? – Fernando questionou olhando para seu amigo.
- Vâmo, porra! Tá afim? Então vâmo, porra! – gritou Marlon esfregando uma mão na outra.
- Cecília, você acompanha o Marlon? – perguntou Catarina.
- Claro! Vamos pra lá... – aceitou a amiga do casal.

Marlon conhecia Fernando há quase um ano, e o pouco tempo não os impediu de cultivarem uma amizade baseada em confissões secretas, bebedeiras após o expediente e extensas conversas em meio ao trabalho. Cecília era amiga de Catarina, um tanto conservadora (virgem) e estava tendo algo com Marlon. Provavelmente alguns beijos acalorados.

O grupo se dispersou em breve despedida. Em poucos minutos o quarteto estava num ônibus rumo à região da avenida Paulista. Pode parecer que estavam conversando amistosamente, mas o álcool havia subido com maior intensidade. Marlon começou seu repertório de baixarias em público ao cantar o hino do Grêmio de Porto Alegre em meio a trabalhadores cansados da jornada pesada das obras e fábricas. Alguns olhavam de forma irritada, porém a maioria ignorava os versos berrados do tricolor gaúcho. Os trabalhadores apenas queriam um descanso, e a fadiga era tanta que o vidro da janela servia como confortável travesseiro no sono que aliviava a longa viagem até suas casas. Alguns roncavam, embaçando os vidros com seus bafos enquanto outros permaneciam com suas cabeças apoiadas no encosto duro dos assentos. O ônibus balançava e Fernando, em pé, já duvidava de sua capacidade em permanecer ereto e firme. Catarina ria muito enquanto Cecília observava seus amigos com um sorriso de quem estava perfeitamente consciente de tudo que ocorria. Finalmente o ônibus chegou ao ponto e os quatro desceram aos trancos e barrancos, sem a mínima noção do que estavam fazendo. E o álcool permanecia implacável na missão de entorpecê-los cada vez mais. A vista girava cada vez mais rápida e exceto Cecília, todos se arrastavam na subida até a avenida Paulista. Um verdadeiro sacrifício em meio às arvores que balançavam sob a força dos ventos que se intensificavam a cada minuto. Catarina compreendeu que Fernando já não tinha mais controle sobre suas pernas, o que a fez reunir suas últimas percepções e reflexos sóbrios e guiar o amigo até o bar na Augusta. O céu flertava com uma chuva rápida, mas tudo ficou na ameaça. Os quatros envolveram seus braços nos ombros de quem estava ao lado e caminharam como quatro camaradas bêbados, porém sabendo que daquele jeito era difícil cair. Caminharam pela maldita entrada do Parque Trianon e atravessaram até o MASP. Prosseguiram em meio a risadas e pequenas brincadeiras até chegarem à esquina com a rua Augusta. Marlon e Cecília conseguiram dobrar à direita tranquilamente, mas Fernando havia perdido o controle do lado direito do corpo e andava apenas para a esquerda, em direção à rua movimentada.

- Fernando! Porra, o que você está fazendo?! – gritou Catarina enquanto segurava o amigo pelo cotovelo.
- Eu não sei... massss não consigo virar para a direita... – respondeu Fernando totalmente alterado e com voz arrastada.
- Puta merda, era só o que faltava!
- Me puxa, Catarina! Sério!
- Caralho! Caralho!

Catarina empurrou Fernando para a calçada e continuou descendo a Augusta guiando o companheiro pelos ombros. Marlon acompanhava a cena às risadas junto de Cecília que contemplava o desastre com olhos de criança, ou seja, abismada. Com muitas dificuldades, os quatro chegaram ao bar Vitrine. Encontraram uma mesa vazia e repousaram por alguns minutos.

- Marlon, vem comigo no banheiro! – disse Fernando se levantando bruscamente e se dirigindo ao banheiro, tropeçando nas cadeiras.

Fernando chegou com velocidade descontrolada ao banheiro e se dirigiu à cabine vazia. Pôs-se de pé, diante da privada e com dificuldade abriu o zíper de sua calça. Enquanto o mijo descia, ele vacilava em sua posição e ria ao ver o reflexo de seu pau no botão metálico da descarga. Logo que terminou o mijo, correu para a pia e vomitou rios de vinho. O vômito era de uma roxo vivo, e inundava uma das pias e o chão do banheiro. Um francês se aproximou de Fernando abordando-o com sotaque:

- Vai maconha aí, amigo?
- Vai se foderrrr... – cuspiu algumas ofensas e se afastou.

Marlon encarava o francês com olhar fulminante de raiva e ao mesmo tempo guiava seu sofrido amigo à mesa. Catarina preocupada ensaiou um cafuné no cabelo liso de Fernando, mas logo se levantou e, chamando Cecília, foi ao banheiro. Marlon acendeu um cigarro e permaneceu em sentinela, vigiando o amigo nocauteado pelo vinho.

- Puta que o pariu, hein Fernando?! Hoje você bebeu! – Marlon reclamou em tom irônico.
- É, pode crer, mano. To foddddido...

As garotas chegaram à mesa e ficaram fumando e conversando alguns assuntos sem sentido, enquanto Marlon alternava seu olhar entre o amigo e o ambiente. Fernando permanecia com a cabeça reclinada na mesa, tentando sem sucesso falar alguma coisa, tentando demonstrar alguma dignidade. Alguns marmanjos tentavam se aproximar de Catarina.

- Ei! Vem sentar aqui com a gente, seu namorado abandonou você! – algum rapaz disse.
- Ele não é meu namorado, é meu amigo. Jamais deixaria ele aqui. – disse Catarina virando as costas para os rapazes.

O rock tocava incessantemente e não havia idéias. Fernando geralmente proporia algo, mas lá estava ele, inerte aos estímulos da noite.

- A gente podia ir pra casa da Cecília e dormir lá! O que acha? – sugeriu Catarina.
- Pode ser! Mas como vamos chegar lá com o Fernando desse jeito? – questionou Marlon.
- A gente pega um táxi! Vamos fechar um preço com ele e vamos pra lá! – Catarina solucionava o impasse.
- Onde diabos fica sua casa, Cecília? – perguntou Fernando com a cabeça na mesa.
- Em Pinheiros, perto do largo.

Marlon e Catarina saíram do bar a fim de pegar um táxi. Ao combinarem o preço, correram ao bar para chamar Cecília e Fernando. Ele se levantou com dificuldade e foi em passos lentos até o táxi. Sentou no banco de passageiro, pois segundo Marlon, “se ele quisesse vomitar, ficava mais fácil de colocar a cara para fora”. E ele tinha razão: Fernando vomitou por muitas vezes durante o trajeto até Pinheiros. Após sucessivos vômitos, Fernando já estava mais lúcido e conversava sem problemas com o motorista. Mas ele nem imaginava o motivo de estarem dentro do táxi e muito menos imaginava quem iria pagar pela corrida.

Chegaram ao prédio de Cecília, pagaram o táxi e se dirigiram vagarosamente à porta. O prédio embora fosse antigo, era confortável, com um lobby bem espaçoso. Ao chegarem no apartamento, Fernando foi ao banheiro, abriu os botões da camisa e se contemplou no espelho. Deu um sorriso de malícia e se abaixou para cagar.

- Que se foda se é casa dos outros. Vou cagar. – pensou Fernando.

Marlon e Cecília se aconchegavam em um colchão que ficava ao lado de um vaso que exibia uma vívida planta de maconha, que devia ter pelo menos um metro e vinte de altura. Era realmente engraçado ver a maconha em seu estado bruto. Marlon e Fernando se sentaram ao lado do vaso e ficaram tocando nas plantas, rindo. Fernando arrancou uma folha e colocou no bolso da camisa.

- Vem logo, Fê! – Catarina chamou com voz manhosa.
- Peraê, peraê!

Após o encanto da maconha ter acabado, os machos se aninharam com suas fêmeas. A luz apagada era o sinal de que havia liberdade para tudo naquela noite. Marlon havia abaixado as calças de Cecília e enfiado a mão dentro de sua calcinha. Ele brincava euforicamente com os dedos dentro de sua boceta enquanto alguns suspiros saíam de sua boca. Fernando ouvia a ação do casal ao lado e dava risadas, enquanto se concentrava em chupar caprichosamente os mamilos de Catarina. Decidiu avançar na ousadia e enfiou os dedos na boceta da amiga, cutucando seu clitóris. O pau estava duro como rocha, pois sua companheira gemia em seu ouvido sem parar, provocando-lhe arrepios generalizados pelo corpo. A bebedeira não havia surtido efeito negativo e a libido estava a todo vapor. Fernando pincelava o pau na boceta de Catarina que se derretia em longos suspiros. Ele conseguia sentir que algumas gotas de porra já ensaiavam a saída. Ao mesmo tempo, alguns gemidos eram ouvidos por parte de Cecília, que desfalecia como gelo no calor dos toques de Marlon. Em alguns momentos, os dois amigos se entreolhavam sob a luz da lua que cortava a sala e riam um do outro. Porém Fernando não estava totalmente são e como de costume, ficou romântico.

- Catarina, eu te amo. Eu tenho certeza que vamos namorar um dia! Eu amo você, eu amo ficar com você, amo tudo em você! – Fernando sussurrava com sentimentos exaltados.
- Ai... Ah! Não pára! Não pára! – Catarina estava surda para as declarações inebriantes do amigo e só se concentrava no prazer.

Marlon ria do estilo cafajeste com o qual Fernando se dirigia à amiga. Marlon enfim sacou sua pica e enfiou profundamente dentro de Cecília, que enfim experimentou a textura de um membro masculino arrancar sem piedade sua pureza. A última donzela caía naquele colchão ao lado de um vaso de maconha. Ela dava pequenos gritos enquanto o olhar de Marlon era pernicioso, destilando luxúria que se misturava ao suor dos dois corpos. Enquanto um momento marcante surgia para Cecília, Catarina estava de quatro chupando com fervor o pau de Fernando e ele continuava com sua ladainha romântica dizendo “eu te amo”, “quero você pra sempre” e todas aquelas promessas baseadas em gozo de boceta. E quando Catarina estava sentada no pau de seu companheiro, o mesmo gozou em frenético coito, tanto foi o prazer que Fernando mordia o ombro da amiga, até que caiu para trás, sem reação, entregue ao relaxamento muscular. Marlon terminava seu trabalho, montado em Cecília, puxando seus cabelos. A ex-virgem mostrava-se empolgada com a nova experiência. Marlon caiu mórbido, com a camisinha envolta em seu pau, cheia de porra, cheia de desejo. As garotas foram ao banheiro se lavar e confabular sobre aquilo que já sabiam. Fernando e Marlon se livraram dos preservativos e permaneceram nus, deitados esperando suas garotas.

Após minutos de conversa, o cansaço se apoderou de suas mentes, e não havia mais espaço para vida inteligente naquela sala. Dormiram até as nove da manhã. Fernando acordou com uma dor de cabeça monumental, pensando se tratar de um derrame cerebral, mas logo lembrou que o vinho era uma porcaria e que sempre depois disso, a ressaca chegava. Marlon acordou com a mesma dor de cabeça e logo levantou para se vestir. Os dois se despediram de suas sonolentas mulheres e ganharam a rua que terminava no largo de Pinheiros. Compraram um maço de cigarros e tomaram um café sentados num bar, cada um com olhar fixo em algo. As lembranças chegavam aos poucos e risadas eram lançadas na xícara de um café fraco e adoçado. Marlon não parava de cheirar o seu dedo médio.

- Fernando, cheira aqui! – levou seu dedo ao nariz do amigo.
- PUTA QUE PARIU, Marlon! Vai se foder! – Fernando constatou que era cheiro de boceta seca, que havia permanecido no dedo que bolinara a vagina de Cecília.

Logo depois, se dirigiram ao ponto de ônibus na avenida Rebouças, sob uma fina garoa. Ficaram por uma hora esperando os ônibus esvaziarem, mas foi em vão.

- Vamos subir a pé. Que se foda! – sugeriu Fernando.
- Vai, vâmo logo.

À medida que subiam, deliravam em assuntos triviais e de pouca importância. Falavam apenas para ficarem animados o suficiente para terminarem o trajeto até a avenida Paulista. Era uma boa caminhada.

- Sabe Fernando, quando eu for rico, quero andar de bengala, e com aquelas cartolas grandes, sabe?
- Hahaha! Sei sim, seria demais. Olhar esnobe, com aquela cartola. Puta, seria foda!

sexta-feira, novembro 06, 2009

A Vingança Romana

E lá estava ele de novo. Antonio Durval Correia. Católico apostólico romano, vezes dez. Papa Bento XVI é um alvo a ser alcançado. "Que homem!" ele pensava ao lembrar do líder máximo da fé católica (não era pra ser Jesus? Deus?). Que o Antonio não me ouça ou ele começaria uma discussão. Mas lá estava ele, como de costume, na espreita, encostado no muro da igreja de Nossa Senhora da Saúde. A avenida Domingos de Morais estava fervilhando. Pessoas com rostos padrões, cinzas, azulados, sem forma alguma se apinhavam na calçada, esperando o sinal vermelho para os carros. Antonio observava tudo com decepção moldando sua expressão. Diferente das pessoas que transitavam pela avenida, Antonio tinha um rosto colorido, nariz vermelho, olhos verdes, bochechas rosadas. Todas as cores do passado, das consequências impiedosas que um ex-alcoólatra sofre. Mas lá estava o guerreiro católico, ex-alcoólatra, vigiando as pessoas, como se pudesse detectar suas auras, detectar seus anjos e demônios.

- Marco, são poucos. São pouquíssimos! - Antonio cabisbaixo falava ao telefone, num orelhão da rua Santa Cruz.
- Poucos o quê? Do que você está falando?
- Eu vi tudo, na frente da igreja. É de partir o coração.
- Mas o que você viu?, pelo amor de Deus!
- As pessoas, esqueceram de Deus.
- Mas isso todo mundo sabe! Conte-me algo novo! Puta que pariu!
- Me faça um favor: não fale palavrões, certo? Estou querendo desabafar com alguém e você me ofende?
- Mas eu não te ofendi, foi expressão apenas, pelo amor de Deus! E você não está desabafando, você está me deixando curioso e com raiva!
- Sinal da cruz, Marco. Ninguém mais faz o sinal da cruz ao passar pela igreja.
- Oras, e se forem evangélicos? Eles estão crescendo a todo vapor. Você tem que considerar isso.
- Que nada, acho que eles são trinta por cento da população, ou seja, de cada dez pessoas que passam pela igreja, sete deveriam reverenciar a fé católica.
- Você sabe que a vida não é assim. Estatísticas não passam de baboseiras. Sempre tem uma margem de erro. Se fosse algo exato, não teria margem pra erro.
- A matemática é exata, Marco.
- Mas as pessoas não. A cada minuto, católicos viram evangélicos, filhos viram pais, homens viram viados.
- Mas homossexualismo é um desvio de caráter, existe cura - retrucou Antonio, coçando o nariz.
- Bem, foda-se, não é...
- Olha o palavrão, Marco...
- Olha Antonio, você me liga pra dizer que quase ninguém faz sinal da cruz. Depois entra num assunto que não faz sentido e ainda pede pra eu maneirar nos palavrões? Vai tomar no seu cu, seu puxa-saco do papa! Enfia um crucifixo no seu rabo e reza três ave-marias pra ver se você sara desse fanatismo boçal!
- Olha, eu vou desligar. Você está descontrolado, não espere que eu desça ao seu nível - respondeu Antonio, assim como Jesus responderia.

Marco desligou.

- Maldito o dia que eu fui aos Alcoólicos Anônimos e conheci esse babaca! - vociferou Marco contra o teto.

O encontro de alcoólicos anônimos não havia rendido nenhum fruto bom para Marco. Ele continuava bebendo, sem esperança alguma, vivendo a libertinagem que sempre sonhou. Putas, travestis e mulheres aleatórias. O único fruto na verdade foi ter conhecido Antonio que não passava de uma figura deplorável, sem motivação alguma e que tentava de todas as formas se redimir consigo mesmo. Depois inclui Deus na lista de pessoas com quem devia se desculpar. Mas o fato é que Antonio parou de beber, se agarrou com unhas e dentes à igreja Católica e a Deus. Comprou uma imagem de Santo Onofre, protetor dos alcoólatras anônimos e sossegou o rabo. Passa o dia inteiro meditando na palavra de Deus, visitando igrejas, fazendo trabalhos voluntários. O padre da paróquia vizinha a sua casa garantia uma cesta básica a ele, frequentadores da mesma paróquia faziam contribuições para pagar as contas do bangalô de Antonio. Todos sabiam que ele não batia bem das ideias, e por isso era considerado pelas pessoas como inapto para se sustentar. Antonio se casou com Deus, com Maria (ainda virgem) e com todos os santos. Parecia um homem feliz.

- Nossa Senhora de Aparecida, por que o mundo está assim? Por que o mundo virou as costas para a igreja? Por que o mundo esqueceu-se de reverenciar sua fé católica? Rogo a ti, que rogues ao teu filho Jesus para que os puna! Para que vejam que dar as costas para a fé é a mesma coisa que a morte! Confio nos teus bondosos braços, no teu olhar maternal, eu te amo, minha santa!

Fez o sinal da cruz lentamente e se ergueu do chão, onde estava ajoelhado. Quando se direcionava a bíblia enorme que permanecia na sala, uma voz gritou em seu ouvido, em sua mente:

- MATE-OS!

Deixou o terço cair de suas mãos. Logo após o terço, Antonio caiu também.

- VINGUE-SE PELA IGREJA!

Uma voz feminina, poderosa - como se fosse o mar batendo contra as rochas - gritava em sua mente.

- Minha santa? É a senhora? - perguntou Antonio, trêmulo, com palpitação e suor intenso.

Ele não ouviu mais nada. Nenhum assovio divino, nem uma tosse celestial. Silêncio. Antonio se ergueu, pegou o terço e o deixou na bíblia. Colocou suas sandálias surradas e correu até a paróquia.

Chegando às portas da paróquia, procurava atentamente pelo padre.

- Padre Afonso! Padre Afonso! PADRE AFOOOONSO!

Silêncio. Ninguém respondia. Os santos parados no altar olhavam para ele com compaixão. Outros olhavam para cima. Jesus na cruz olhava para ele com frieza. Uma voz se revelou.

- VINGUE-SE POR MIM! PELA IGREJA! PELO SUCESSOR DE PEDRO!
- Você quis dizer SÃO PEDRO, não?
- TANTO FAZ! VINGUE-SE POR TODOS NÓS!
- Mas quem seria a senhora? - Antonio sentia suas pernas cada vez mais vacilantes. Apoiou-se em um dos bancos.
- Eu sou a mãe de todos os seres, a mãe de Deus, a mãe da humanidade!
- NOSSA SENHORA! - gritou e se prostrou, suando em bicas.
- LEVANTE-SE E VINGUE-SE POR NÓS!

A voz se dissipou e Antonio já estava praticamente deitado de bruços, se retorcendo. Começou a balbuciar palavras sem sentindo, em uma língua estranha. O padre Adolfo se aproximou em alta velocidade e se abaixou para socorrer o pobre fiel.

- Em nome de Cristo, o que você tem?
- Padre, eu ouvi a santa!
- Qual delas?
- A maior de todas! SANTA MARIA MÃE DE DEUS!
- Quando? Como? Onde?
- Agora! Ela começou a falar! Na minha casa e aqui também! - gritava exaltado, com espumas de saliva nos cantos da boca.
- Antonio, vamos beber água. Descanse um pouco e fale um pouco mais sobre isso.
- Não padre! Não tenho tempo a perder. Eu recebi ordens divinas! Sou um servo obediente!
- Que ordens?
- Divinas! Ordens divinas!
- Meu Deus eterno! QUAIS ORDENS?

Antonio se ergueu se desvencilhou das mãos do padre que o sacudia enquanto fazia as perguntas, e correu para fora da paróquia. O padre olhou para a estátua de Maria e esboçou um sorriso forçado.

- Tem gente que não tem conserto - pensou o Padre, limpando os resquícios de saliva que Antonio deixara no chão.

O céu estava limpo, o sol convidativo, os pássaros voavam em círculos e algumas nuvens desfilavam secas, isoladas. Antonio chegou em sua casa e sem pensar muito, correu até a cozinha. Abriu a gaveta e puxou uma faca de cortar carne. A faca devia ter vinte centímetros, afiada e com o cabo desgastado. Trocou sua camisa, bebeu um copo d'água, rezou um pai nosso e uma ave-maria e correu para a porta. Fez um sinal da cruz ao sair e foi até o ponto de ônibus. Aguardou pacientemente a chegada de seu ônibus. Paciência que só pessoas que sabem o que fazer na vida, têm. Antonio sabia o que fazer. Ele era um mártir, um santo maldito, um instrumento desafinado nas mãos de Maria. O terço estava enrolado em sua mão direita e a cada conta que desfilava pelos seus dedos, ele rezava um pai-nosso, uma ave-maria e um credo dos apóstolos.

No ônibus, assuntos triviais permeavam o ar. Fofocas, mentiras, verdades. A humanidade se entrelaçava em verbos e substantivos. Eu faço, tu fazes, eles fazem. Primeira pessoas, segunda e terceira. Pessoa pra dar e vender. Mulheres com axilas mal raspadas, axilas cinzas. Braços gordos, cabelos mal penteados. O motor do ônibus tentava dialogar na mesma intensidade das pessoas. Decibéis e mais decibéis circulavam o ambiente. Janelas fechadas, janelas abertas. Espirros e tosses. Era o mundo em seu nível mais subterrâneo. A periferia tinha vida. A vida que Deus não desejou para seus filhos. Mas quem se importava?

Antonio parecia alheio a tudo.

Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome...

Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco...

Creio em Deus Pai, todo-poderoso...

A linha chegava ao fim. Terminal Santa Cruz. Desceu lentamente e se dirigiu ao shopping. Atravessou a avenida e rumou para a igreja de Nossa Senhora da Saúde. Eram cinco horas da tarde e Antonio preferiu aguardar até o anoitecer. Ficou parado com sua faca parada entre a cintura e a calça. Continuou rezando e observando as pessoas, apressadas, cabisbaixas, passarem pela igreja e não prestarem reverência alguma com o sinal da cruz.

Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome...

Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco...

Creio em Deus Pai, todo-poderoso...

Após uma hora de espera, foi até o orelhão.

- Marco? Está mais calmo?
- Só me faltava essa! Só me faltava essa! - Marco berrava ao telefone.
- O que? O que lhe falta?
- Nada, Antonio. Esqueça! O que você quer?
- Marco, eu tive uma revelação. Maria, nossa querida mãe, falou comigo!
- Mas que diabos! Como assim "nossa querida mãe"? Você tá louco?
- A virgem santíssima!
- Você diz a Maria, nossa senhora e tal?
- Isso! Ela falou comigo! Ela falou comigo! - repetia o acontecido enquanto apontava para o céu.
- Hahahaha! Você está levando isso muito a sério, Antonio! Vamos num psicólogo, é sério...
- Ai de você que não acredita em mim! Ela falou comigo, ela é real! Ela pediu vingança!
- Meu Deus do céu! Antonio, onde você está? - Marco captou a situação.
- Aqui na Santa Cruz.
- Espere aí! Espere aí, ouviu? Espere!

Marco desligou o telefone e se arrumou prontamente. Pegou seu celular e discou para o 190.

- Polícia Militar de São Paulo, em que posso ajudá-lo? - uma voz fanhosa escorria do telefone.
- Por favor, envie uma viatura para a igreja Nossa Senhora da Saúde! O mais rápido possível. Algo terrível está para acontecer! Sejam rápidos!
- Mas do que se trata a ocorrência? Pode me detalhar? - a voz parecia se derreter.
- Um lunático está para matar muita gente... coisa religiosa! - Marco corria até o metrô, enquanto falava de forma ofegante a atendente.
- Qual seria o endereço?
- Avenida Domingos de Moraes! É ao lado do shopping!
- Entendido. Uma viatura está indo até lá.
- Mas tem que ser rápido! Obrigado!

Marco correu por mais alguns metros e alcançou a estação do Tucuruvi. Puxou o bilhete único e mirou a catraca que separava a área comum da área de embarque. Porém algumas notas de dois reais caíram no chão. Velha mania de pegar o troco da padaria e não se dar ao trabalho de puxar a carteira, abri-la e depositar o dinheiro lá. O troco sempre ficava pra fora da carteira.

- Com todos os diabos! - exclamou enquanto se prostrava para apanhar as notas fugitivas.

As pessoas ziguezagueavam pelas escadas e Marco descia como um deslizamento de terra. Chegou ao embarque do trem, sentido Jabaquara (só existia esse sentido mesmo, afinal, o Tucuruvi é o outro extremo da linha azul do metro paulistano) e se dirigiu a uma das pontas da plataforma, porém não havia sinal de trem chegando. Agachou-se e pôs-se a respirar fundo. Uma frustração contaminou seu peito e a impaciência se refletia nos movimentos frenéticos de seus pés.

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Na Santa Cruz, Antonio continuava sua observação. A revolta de sua mente se confundia com seus pensamentos. Explosões de confusão irradiavam toda sua cabeça.

Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome...

Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco...

Creio em Deus Pai, todo-poderoso...

Pessoas riam e se encaravam. Animais em sua caça sexual, bancando idiotas para se exibirem, tentando mostrar suas penas de pavão, numa conquista artificial, com aquele fundo que fede a sexo e libertinagem. O carrinho do acarajé estava rodeado de pessoas que faziam seus pedidos, com dinheiro à mão, exigindo mais camarão, menos caruru, um capricho benevolente no vatapá. A Bahia e sua culinária se concentravam naquele metro quadrado a frente da igreja e ninguém dava bola para as imagens de pedra, imponentes à frente da igreja. Os portões de ferro estavam abertos, mas ninguém arriscava entrar. Ninguém seria um exagero. Algumas senhoras rastejavam suas carcaças velhas pela escadaria desgastada rumo ao templo.

Antonio puxou sua faca e observou um homem, nos seus quarenta anos, passando pela igreja. Dirigiu-se a ele, decidido no intuito da vingança divina. Porém teve que recuar. O homem colocou sua pasta na mão onde tinha algumas sacolas e, olhando para a igreja, fez o sinal da cruz. Antonio sorriu. Porém aquilo não salvaria o dia. Virou seu olhar para a direita e acompanhou os passos de uma adolescente solitária, loira, vestindo uma saia média e all-star branco, tomando um sorvete de casquinha. Ela cuidava para que a massa do sorvete não derretesse e passou reto pela igreja, como se não houvesse nada por ali. Ele correu até a jovem e parou. Sincronizou seus passos ao da moça e esperou pelo seu trajeto. Virou na rua Santa Cruz. Antonio sorrateiro se apressou e puxou a faca. Um corte profundo se projetou nas costas da menina. Ela deu um passo largo para frente e tornou para ver quem a atingira. O cheiro perfumado de seus cabelos se alastrou pelo ar. Gritou. Porém Antonio não se abalou e em questão de milésimos, enfiou a ponta da faca em sua garganta. Jatos de sangue ganhavam o ar sujando a calçada. Sua casquinha caiu e se misturou ao sangue. Pessoas que viram a barbárie gritavam do outro lado da rua. Carros passavam às dezenas e não deixavam ninguém atravessar. Quem estava na mesma calçada de Antonio se deu ao trabalho de fugir do louco. Um homem pegou um cabo de vassoura abandonado num poste junto a uns sacos de lixo e correu em direção de Antonio. Parecia o fim da linha. Girou sobre seus calcanhares e correu novamente até a entrada da igreja. O homem com o cabo da vassoura se deteve ao passar pela garota ferida, que se contorcia no chão. Parou para socorrê-la aos gritos.

- ASSASSINO! PEGUEM O ASSASSINO!

O guerreiro católico com a faca exposta parou enfrente à barraca de acarajé e percebeu que os carros continuavam a transitar intensamente. Algumas pessoas do outro lado da rua gritavam desesperadamente. Antonio viu ali mais uma oportunidade de vingança. Um homem gordo, olhos vazios, calvo e cabisbaixo, caminhava com a classe de um andarilho maldito. Passou pela igreja, porém apenas vasculhou seu bolso direito. Não achou nada. Também não fez o sinal da cruz. Como um raio, a faca de Antonio trespassou a nuca do homem. Ele apenas ergueu suas mãos, não tão alto, e caiu de joelhos, logo em seguida, se esparramou pelo chão, como se estivesse num transe. Expirou.

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- ESTAÇÃO SANTA CRUZ - a voz feminina saía chiada do alto-falante do trem.
- Cacete de trem maldito, vai logo, desgraça! - Marco rosnava junto a porta do trem.

As portas se abriram e o cheiro de fast-food do shopping anexado à estação tomou conta do ambiente. Marco cortou aglomerações de pessoas e escolheu a escada convencional. Pulava de três em três degraus e em segundos chegou às catracas. Avançou pela saída da Avenida Domingos de Morais e ganhou a calçada. Jovens e mais jovens conversavam e gritavam, dando largos sorrisos e pequenos abraços uns nos outros. Marco não pôde observar toda a humanidade que seguia pela região. Ele precisava salvar essa humanidade, ou melhor, um pouco dela. Pessoas corriam por todos os lados. Gritos histéricos de mulheres permeavam a atmosfera do lugar, carros paravam curiosos e motoristas na altura da rua Loefgreen buzinavam sem parar. Marco encontrou o caos e ficou decepcionado, pois nenhuma viatura podia ser vista, nenhuma autoridade, apenas desespero. Correu erguendo sua vista, atrás de Antonio, dando pequenos saltos com o pescoço erguido, a fim de ver alguém que fosse o centro das atenções, o motivo de todo o alvoroço urbano que se instalara. De repente uma sirene se juntou a gritaria, cantadas de pneus e um cheiro de borracha queimada. Marco aliviou sua expressão, baixando as sobrancelhas, tirando a tensão de sua testa. Enfiou-se no meio da massa, procurando por Antonio, empurrando alguns curiosos, trombando em outros desesperados.

- Ele está armado! Ele está armado! - alguém gritou se descabelando.

Pessoas ficavam à espreita ao lado da banca de jornal, outras acendiam seus cigarros e observavam de longe, perto do ponto de ônibus. No meio da balbúrdia, Antonio estava eufórico, babando, girando a faca para o alto.

- Virgem Maria! Rogai por nós pecadores! Despertai católicos! Despertai!
- Antonio, seu desgraçado, o que você fez?! O que você fez?! - Marco juntos as mãos à frente de sua boca, incrédulo diante do homem esfaqueado na nuca.
- Marco! Eu disse que me vingaria!
- Vingaria o quê, seu maluco? - um popular questionou com ódio banhando cada palavra.
- A igreja! A igreja católica apostólica romana!
- Pela cruz de Cristo! Largue essa faca agora! - um cabo da polícia militar ordenou apontando sua arma - Eu vou atirar, largue essa faca!
- Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco... - Antonio começou a rezar novamente, ignorando a intimação do policial.
- Senhor policial! Eu conheço esse lunático. Deixe-me tentar negociar com ele! - Marco se antecipou a qualquer movimento da polícia.
- Qual é o seu nome?
- Marco Antônio Alves Nazário.
- Tente alguma coisa com esse doido. Mas vá logo!

Carros das emissoras de televisão já disputavam espaço nas calçadas da região. Links ao vivo congestionavam a programação. Repórteres conversavam com cidadãos comuns que davam seus depoimentos, segundo o que haviam visto.

- Antonio, pelo amor de Deus, pare com isso. Largue essa merda agora, por tudo o que é sagrado!
- Pelo o que é sagrado! Exatamente isso! Pelo o que é sagrado!
- Cala essa boca e largue essa faca! Eles vão te matar se você fizer algum movimento idiota! Desista disso! Você já matou todo mundo que queria! Se entregue!
- Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador... - começou a mesma ladainha.
- Tenha paciência! - Marco se virou e mirou o policial - Matem esse porra, pelo amor de Deus, ele é louco!

Marco se afastou da multidão e sacou um cigarro. Acendeu-o lentamente e soltou um jato de fumaça. De repente uma dezena de repórteres rodeou-o, espetando todas as partes de seu corpo com seus microfones. Luzes fortes queimavam seu rosto e faziam seus olhos arder. Infinitas perguntas entravam por seu ouvido, deixando-o confuso. Um repórter da RedeTV esbarrou em seu cigarro fazendo-o cair. Outro repórter pisou. Foi a conta.

- Saiam daqui, seus bostas! Saiam! Eu vou acabar com vocês, raça de merda! - e saiu esmurrando todo repórter que encontrava.

Conseguiu se desvencilhar da horda da imprensa e saiu correndo até a entrada do metrô. A zona sul de São Paulo sofria com o congestionamento causado pela interdição da avenida e as vias ao redor estavam entupidas de carros buzinando, pessoas estressadas. Padarias lotadas com pessoas acompanhando programas sensacionalistas que divulgavam os boletins médicos das vítimas de Antonio, comentários de senhoras com braços cruzados, cachorros mijando em postes. A cidade respirava com dificuldade.

- Pela última vez, largue essa arma! - desta vez o negociador da polícia ordenou.
- Qual é a necessidade de um negociador? Pelo amor de Deus! - um homem de terno comentou com uma mulher horrorizada - Desce a porrada nesse vagabundo!

Inesperadamente, uma pedra cortou o ar e atingiu a cabeça de Antonio. Ele largou a faca e colocou a mão na cabeça. Sangrava muito. Sentiu uma tontura e olhou para baixo, tateando o nada, procurando pela faca. O povo que estava num misto de horror e ódio se amotinou e correu na direção de Antonio. Um chute atingiu sua cabeça, alguém pisou em suas costelas, uma gota de saliva tocou sua fronte. Alguém se apoderou da faca do assassino e cravou a mesma na perna de Antonio. Ele estava liquidado. Um policial atirou pra cima e começou a gritar. A maioria se abrigou atrás dos carros e gritava. Alguns policiais correram para socorrer Antonio e se depararam com um homem quase sem vida. Seus olhos não abriam mais e a tonalidade de seu rosto era roxa. Ossos e mais osso quebrados. Ele não se movia. Mal respirava. Subitamente um sussurro:

- Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? - dizendo isso, Antonio expirou.

Marco assistiu a cena incrédulo, movendo sua cabeça negativamente, sem parar. Um investigador da polícia tocou no ombro dele.

- Você vem com a gente, meu chapa.
- Que seja - respondeu Marco olhando por trás do ombro.

Foram horas desgastantes, exaustivas, mas Marco finalizara seu depoimento. O investigador o agradeceu e pediu que entrasse em contato com ele caso soubesse de algo que pudesse ajudar na investigação.

- Pelo amor de Deus, se eu soubesse diria - disse a si mesmo enquanto saía da delegacia.

Com sua frieza calejada de anos, acendeu um cigarro e caminhou lentamente ganhando a calçada. Arqueou a sobrancelha e avistou um bar. Hesitou um pouco e passou reto. Jogou o cartão do investigador em uma caçamba de entulhos e cuspiu catarro numa árvore. Ando pela rua Onze de Julho até virar na Domingos de Morais. Poucas pessoas esperavam ônibus num ponto. Chegou ao metrô Santa Cruz. Uma longa jornada até o Tucuruvi, zona norte de São Paulo. Apenas ele estava no vagão quando o trem chegou ao destino final. Enquanto andava pela rua Ausônia, acendeu mais um cigarro e permaneceu ligado. Virou na avenida Mazzei e se arrastou por poucos metros até seu prédio. Sem porteiro com condomínio baixo. Subiu as escadas até o terceiro andar e abria a porta. O cheiro de cigarro já havia sido anexado ao ambiente e as paredes pareciam cada vez piores. O taco no chão estava descolado e vez em outra, Marco tropeçava em um. Foi até à geladeira e não encontrou cerveja alguma. Foi novamente à sala e abriu um pequeno armário onde achou um terço de garrafa de uísque. Serviu um copo arredondado e colocou três pedras grandes de gelo. Pensativo, sentou na velha poltrona empoeirada, vencida pelo tempo, e pegou o telefone.

- Alice, você viu no que deu toda a brincadeira? - em seguida tomou um gole do drink.
- Eu vi, eu vi. Estou aterrorizada! E se me descobrirem? Eu tô fodida! - sussurrou de forma exaltada a amiga de Marco.
- Cala essa boca, por Deus! O investigador se convenceu da história que os contei. Alguns conhecidos de Antônio, inclusive o padre da paróquia dele alegaram que ele tinha distúrbios mentais. E ninguém vai imaginar que a voz na casa dele e na igreja era sua. Fique tranquila - Marco girava o gelo no copo - executamos um plano perfeito!
- Plano perfeito? Não era para ele morrer! Só ser preso, só isso!
- E eu tenho culpa se a polícia demorou pra chegar? Se tivessem chegado, teriam prendido o Antonio com a faca na mão. Mas é um bando de incompetentes! Recebem uma denúncia, mas preferem ficar comendo coxinha. É foda, viu!
- Tá, tá bom. Pelo menos você está livre dele. Assim, nem de um sanatório ele liga. Ele já era.
- Sim, Alice. Vamos esquecer essa merda toda, ok? - Marco tentava finalizar o assunto enquanto tomava o último gole da bebida.
- Claro. Mas me diga uma coisa: não era mais fácil você se mudar daí? Ou trocar o número do telefone? - Alice enrolava o fio do telefone com seu dedo indicador.
- Você tá louca, Alice? Sabe o trabalho que é encontrar alguém que alugue apartamento sem seguro-fiança? Sem fiador? Quase impossível! Morou num apê legal, numa região legal, perto do metrô. O Antonio não servia pra nada mesmo, foda-se! Ele iria morrer de uma forma ou outra. Que se foda o Antonio!
- Calma, calma! Só estava curiosa! Mas eu entendo seu ponto de vista. Bem, eu passo aí amanhã, pra gente meter um pouco, aliviar a tensão... - sua voz já se esparramava em desejo.
- Vem agora. Te pego no metrô. Na catraca. Aproveito e passo no posto de gasolina pra comprar mais cerveja. Topa?
- Tô lá em quarenta minutos. Beijo.

quarta-feira, novembro 04, 2009

Enxada, Regadores e Sacos de Esterco

do que adianta o canário fugir da gaiola
se ele não sabe voar?
do que adianta almejar as nuvens
se ele não pode enxergar contra o sol?

a vida é engraçada
fazemos o mal, mesmo sabendo o caminho a seguir
mesmo sabendo que a chuva que alaga cidades
também é a chuva justa
que garante as coisas nos seus devidos lugares

tem gente que ri de Deus
e diz que o ama
tem gente que desafia a natureza
o fluxo natural da vida
tem gente que acha que uma semente não germina
e não teme uma colheita maldita

tem gente que sabe plantar
mas não quer colher
mas quem é você, humano
pra pensar que pode agir
no crescimento de uma roseira?
pode alguém evitar que nasça com espinhos?

somos todos agricultores
da felicidade ou da solidão
mãos calejadas pela enxada, regadores
e sacos de esterco

você pode ignorar, mas isso nunca irá mudar
a vida prega peças
como um palhaço justo e impiedoso
nesse circo previsível

você lembra daquele dia quando lhe confrontei?
"você pode mentir pra mim, mas olhe no espelho.
tente mentir pra ele"

aliás, quando você se olha no espelho
VOCÊ VÊ ALGO?

quarta-feira, outubro 28, 2009

É Melhor um Temor na Mão que Dois Relógios Contando

a vista dos apartamentos muda
a vida não
agora vejo casinhas bonitas rodeadas
por prédios cada vez mais numerosos

a vida é o que vejo
é o que sinto
é o vento que bate no meu rosto
um dia frio, outro dia quente

a vida não é o futuro
você pode pensar nele
pode planejar o futuro
mas não pode vivê-lo

você pode mudar o passado
a não ser que tenha uma perna amputada
a não ser que tenha matado alguém
você pode modificar as consequências do que não é irreversível
você pode fazer o futuro
hoje você pode
mas não pode viver o futuro

agora é presente, opa agora já é o futuro
peraê, o segundo que passou já é passsado
opa! o segundo que vem é o futuro!
alguém pode jogar o meu relógio no lixo?

esqueça seu relógio
viva o hoje para hoje
viva o hoje para o futuro
mude seu passado
tema o seu futuro

que horas são?

quinta-feira, outubro 22, 2009

Uma Ótima Mulher, um Bom Cachorro e um Time de Futebol

parece que tudo me foi tirado
a música, o dinheiro e o sorriso
não não, não sou infeliz
apenas não tenho alguns acessórios
tenho uma ótima mulher
um bom cachorro e um time de futebol
mas tenho dores de cabeça, sinusite
e a leve impressão de que o tempo passa
agressivo, sorrateiro, traidor
e eu não tenho dinheiro nem pra comer um pastel

as pessoas passam, carros, cachorros
tartarugas nos esgotos
peças de carnes em caminhões
folhas secas aqui na janela
do décimo quinto andar
como voam alto!
eu as invejo

queria me livrar, me secar
planar e sentir o vento me guiar
soa como música, como poema barato
de mente baratas que não valem um puto sequer
mas é a verdade, simples e romântica
miserável e ensurdecedora
que me atordoa de manhã durante o café
enquanto o pão esquenta na frigideira
enquanto o apresentador dá risadas no rádio

eu sou uma cópia barata dos meus medos de infância
barata porém fiel ao original
eu sou o vômito dos meus nervos
eu sou o suor do meu cagaço
EU SOU, me ajude!
pareço abandonado por EU SOU
parece que o ouvi dizer: TU ÉS
um fracasso
um lixo
um medroso

enquanto eu não for (alguma coisa)
EU SOU será nada
porque ninguém pode pedir e não ir atrás
ninguém pode confiar em muletas e se conformar com elas

eu quero andar, Deus, como eu quero!
mas parece que a cada passo, uma pedra me derruba
uma fraqueza me abala,
um terror noturno me aflige
uma seta que voa de dia me atinge
uma peste que anda na escuridão me amedronta
e temo a mortandade que assola ao meio-dia

quando pequeno, ouvia vozes lúgubres ditarem salmos e mais salmos
eu gostava do cento e trinta e nove
me sentia em paz ao saber que Ele me cercava por todos os lados
me sentia calmo ao saber que não poderia me esconder dEle
por que faria isso?
mas hoje tento me esconder por vergonha
e me sinto perturbado ao saber que Ele pode ver tudo
inclusive meu frágil coração

chora, poeta, chora
chora enquanto existem lágrimas
quando elas secarem e você olhar para trás pela milésima vez
ENTÃO ELE SE LEMBRARÁ DE LHE TRANFORMAR
EM UMA ESTÁTUA DE SAL

escutem o que eu lhes digo: olhem para frente, PARA FRENTE!

e agradeçam por ter uma ótima mulher
um bom cachorro
e um time de futebol

eu te amo por tudo que fazes por mim
NÃO, ESSE NÃO É O SEU POEMA
mas você é a palavra que sai da minha boca
é o açucar que corre escasso pelas minhas veias
que me faz olhar pra frente
e não me deixa morrer inerte
esculpido nos meus temores

você é, e pra sempre será
o meu amor.

segunda-feira, junho 15, 2009

Seja Bem-Vindo, Eu

nem a minha mãe acredita
nem ninguém acredita na mudança
quando tudo o que fazemos
é mudar pra melhor
o bem não convence, o mal é aceitável

quando as coisas são tão perceptíveis
tão tangíveis
existe a maldade e sua catarata
escurecendo a visão

mas sei quem enxerga
sei quem dá de costas
para o pó da sujeira do passado
eu vivo por isso
eu vivo pra ELA

eu mudei de verdade
não existe ânimo, nem motivação
para errar novamente
eu sou um novo homem
com novos sonhos, novas aspirações
um novo amor
e pra mim já basta

o brilho nos meus olhos
a largura do meu sorriso
a força do meu abraço
e o tamanho dos meus passos
tudo evidencia o retorno
a volta do antigo homem que fui
sempre fez falta sê-lo
agora que o sou, também sou feliz

sou feliz por amar novamente
com intensidade
e com paixão

seja bem-vindo, eu. você fez muita falta.

quarta-feira, maio 13, 2009

XXX Teaser XXX

(...)
- Tudo bem, querido. Aos diabos! – Claudia deu sorriso e puxou um cigarro.
- E você está morando onde, coração?
- Estou na casa de uma amiga travesti, lá na Santa Cecília.
- Em nome de Deus! Hahaha!
- O que foi? – perguntou contrariada, soltando fumaça pelo nariz, enqaunto guardava o maço na bolsa.
- Calma, meu bem. Acho os travestis engraçados, só isso. Fico imaginando como deve ser morar com um.
- É normal, se você quer saber. São gente como qualquer outra. O foda é o preconceito. Mas são gente finíssima.
- Não duvido. Só acho curioso – acendi um cigarro também – Pois bem, arrume suas malas e vamos morar comigo. O que acha?
- Tem certeza? Assim tão rápido?
- Olha, tudo pra te ver todos os dias! Tudo, extremamente tudo! – ergui minha voz assim como ergui meu cigarro.
- Que assim seja! – ela também ergueu seu cigarro.

Não havia achado meu whisky nem o resto das compras. Que se dane.

Rumamos para a Santa Cecília num ônibus lotado. Ficamos em pé durante todo o trajeto e me pus atrás de Claudia, encoxando sua bundinha redonda. Eu não me agüentava de alegria. Às vezes me beliscava, me ria, me tudo. Mordia sua nuca sem o mínimo pudor e ela dava um gemidinho sem se preocupar com o olhar dos outros passageiros. Eu estava a ponto de uma erupção de tesão, erupção de lava aquecida com paixão, amor e desejo. Eu era um vulcão ambulante, pronto para explodir com tudo a minha volta. Descemos há cinqüenta metros do prédio onde morava o travesti. Ela perguntou se eu queria subir e eu educadamente me recusei acendendo um cigarro. Fiquei observando o trânsito, as pessoas estranhas que passavam e o tempo passava. E ela não descia. Comecei a imaginar milhões de coisas. Talvez o travesti enfurecido pela saída brusca da amiga tenha feito Claudia como refém, ou dado facadas em seu lindo colo, ou entorpecido ela com éter ou ainda mais: trancado minha mulher num banheiro fedendo à vaselina e cheio de rastros de drogas! Fiz cara de nojo ao ver um travesti passar e cuspi no chão. Comecei a andar de um lado ao outro, acendi outro cigarro e pus as mãos no bolso. Cocei a cabeça e puxei um pouco do meu cabelo. “Cala a boca, cérebro idiota dos infernos”, eu murmurava. Avistei um boteco caindo aos pedaços e sai correndo até lá.

- Um conhaque com limão!

O atendente me olhou com cara de mosca cagada e pegou a garrafa de Dreher. Cortou o limão lentamente e o espremeu no copo. Um gota de limão voou no olho do infeliz.

- Caralho de limão! – gritou o atendente, abrindo a torneira, buscando água para aliviar o incômodo ácido.

Olhei impaciente para o lado de fora e a Claudia ainda não havia descido. “Caralho, cérebro idiota, talvez ela tenha muitas roupas, maquiagens, chapéus, vibradores, discos entre outras coisas pra arrumar”, pensei enquanto voltava ao balcão. O atendente ainda coçava o olho e o meu copo continuava com umas gotas de limão e mais nada. Peguei a garrafa e servi uma dose. Peguei a outra banda do limão e a espremi. O drink estava pronto. Quando levantei o copo, o atendente puxou um pano e o ergueu.

- Ei! Ei! O que é isso? Eu sirvo as doses aqui, camarada! – perdigotos voavam a esmo, como uma chuva de granizo em meu rosto. Me irritei.
- Eu peço uma dose, e você demora! O que custa eu servir aqui a minha própria dose?
- Eu sirvo as doses aqui!
- E daí? Não estou falando nada contrário a isso! Estou apenas dizendo que preciso da dose rapidamente e tive que me servir! Tirei um pedaço de você? Você serve a dose de uma forma especial?

O atendente parou por alguns segundos e ficou me encarando. De repente, jogou o pano em minha cara. Atitude infantil. Peguei a dose, dei uma gole rápido e joguei o resto na cara dele.

- Desgraçado! Desgraçado! – pulava e gritava como um macaco com pimenta no rabo – Meu olho, seu miserável, filho duma puta!
- Vai tomar no seu cu! – revidei, aproveitando sua cegueira momentânea e dando o fora daquela pocilga.

Cheguei perto do prédio do travesti e fiquei parado na esquina, observando de longe o movimento dentro do boteco. Nada aconteceu. Nem sinal do mocorongo. Acendi outro cigarro e nada da minha mulher chegar. “Puta que me pariu!”, rosnei enquanto andava em círculos. Senti um toque no meu ombro direito. Não podia ser a mão da Claudia. Era pesada e passava uma sensação de morte iminente. Me virei.

- Campeão, ta afim de uma diversão essa noite? Boceta na cara a noite toda! Vinte conto pra entrar, quatro latinhas de Brahma pra beber! É só entrar ali – apontou para um puteiro sujo chamado Gengis Khan American Bar.
- Gengis Khan? Hahaha! Puta merda, só me faltava isso mesmo! – exclamei em meio a risadas.

O gorila que me abordou era um negro imenso, mãos gigantes, como meu ombro já havia sentido, e uma cicatriz na fronte, devia ter sido alguma facada de raspão. Ele me olhou confuso, coçou o queixo e franziu a testa.

- O que tem o nome do lugar, campeão? – me questionou ainda com a mão no queixo.
- Nada, cara, nada. Só achei engraçado.
- Bem, se quiser, entra lá. Diversão garantida, falou?
- Falou, mas eu passo. Já tenho mulher. Agradeço de verdade.

Ele deu de ombros e voltou para a entrada do puteiro. Respirei fundo e me deparei com o que havia dito segundo atrás: “já tenho mulher”. Meu Deus, há poucas horas eu não me imaginava mais feliz. Me via em alguns meses como um mendigo, igual os que queria chutar e botar fogo. E agora tenho minha mulher. A vida era cheia de surpresas e eu, um moleque me esbaldando com o presente numa manhã de natal.


Tive uma idéia. Corri para a entrada do prédio e nada. Apertei todos os botões de interfone, de todos os apartamentos. Em alguns segundos, várias vozes começaram a responder.

- Sou eu! – gritei com a mão na boca, abafando minha voz.

Algumas pessoas perguntavam “eu quem?”, porém alguém que devia estar a esperar por um cara de voz embargada, abriu a porta do prédio sem a mínima cerimônia. Dei uma risada e pensei no que fiz: “sou um gênio!”. Fui de porta em porta tocando as campainhas. Peguei um papelzinho que estava no bolso de minha camisa e fingi ser uma referência de endereço.

- Pois não? – era uma mulher descabelada, de roupão de banho, que havia atendido a porta.
- É aqui que mora a Claudia? – perguntei olhando para o papelzinho.
- Claudia? Não, você tocou no apartamento errado – respondeu me olhando com desconfiança. Ela só não desconfiou que um de seus seios saltou do roupão. 

Tentei olhar nos olhos dela, mas não resisti e mirei minha vista nos seus mamilos. Ela percebeu a investida dos meus olhos e percebeu sua nudez. Bateu a porta na minha cara. Pude ouvir ela praguejando contra tudo e todos lá dentro. Dei uma risada e fui para a porta ao lado.

A abordagem era sempre a mesma, e nada da Claudia. Eu desanimava toda vez que uma mulher ou homem atendia. Eu queria que um travesti atendesse, para dar um murro na cara dele, ameaçá-lo de morte caso chegasse perto de minha mulher de novo. Resgatar a pobre Claudia do cárcere do banheiro e voltar triunfante para o meu apartamento, trazendo minha donzela em segurança. Já estava no quarto andar e nada de travesti, nada de Claudia, nem cárcere privado e socos na cara. O que me tranqüilizava é que o prédio não tinha elevador, o que faria eu ver a Claudia descendo pelas escadas. No quinto andar, no segundo apartamento, toquei a campainha impaciente.


- Já vai! – gritou uma voz de mulher.

A porta se abriu e pra minha frustração, outra mulher. Como mandava o script, fiz a pergunta sobre a Claudia. Quando me preparava para dar as costas me desculpando pelo incômodo, a mulher pediu para eu entrar. Interrompi meu movimento de saída e olhei para dentro do apartamento. Claudia estava com uma toalha enrolada na cabeça, e outra enrolada em seu corpo.

- Querido! Me desculpe a demora! Fui tomar um banho enquanto a Gisele arrumava minhas coisas. Ela estava dobrando minhas roupas. Pensei que não ia demorar tanto, e acabei atrasando. Entre!
- Tudo bem, coração. Licença – limpei meus pés no capacho de entrada e adentrei o apartamento.

Cumprimentei Gisele com um beijo e sentei no sofá. “Que bom, o traveco não está aqui”, pensei. O mulherão entrou na cozinha e ouvi barulho de copos. 

- O quê você bebe, Evandro? – perguntou Gisele, aos gritos.
- O que temos aí? – e me direcionei para a cozinha.

Gisele era uma mulher atraente, com seios fartos, pernas fortes, e um rabo redondo, perfeito. “Que a Claudia me perdoe, mas que mulher gostosa!”, pensei enquanto olhava para as pernas da moça. Ela tinha vodka no congelador e umas latas de cerveja.

- As cervejas ainda estão gelando. A vodka está geladinha! Gosta de caipiroska? – me perguntou com voz suave e sedutora.
- Eu amo caipiroska. Você sabe fazer? Qualquer coisa, eu faço. Não se incomode!
- Não, não. Você está no meu apartamento e vai beber a minha caipiroska.
- Tudo bem, tudo bem.


Voltei à sala e perguntei à Gisele se podia fumar no apartamento. Ela consentiu e eu saquei um cigarro. Acendi e relaxei no sofá. O amor da minha vida se arrumando lá no quarto e uma gostosa na cozinha fazendo um drink pra mim. A vida não podia ser melhor. Minutos depois, o cigarro chegava na reta final e a gostosona chegava com o drink.


- Caramba, você caprichou! Com canudinho e tudo mais! – me levantei olhando com afinco para os seios da moça. E por olhar somente para os seios, errei na hora de pegar o copo, tocando em sua mão.
- Opa! Hahahaha! Aqui está o copo, xuxu!
- Me desculpe, me desculpe. Eu sou um distraído! – dei uma risada tímida e uma bicada na bebida – Deliciosa! Docinha? Como você faz isso?
- É só tirar uma parte branquinha do limão, aqui é o que deixa amargo. É rapidinho e a caipiroska fica doce.
- Vou anotar esse truque!


A Claudia demorava para se arrumar. Eu ouvia o barulho do secador no quarto trancado e me conformava. Gisele foi ao quarto onde estava Claudia e trocou algumas palavras com ela. A moça era uma ótima anfitriã. Além de uma ótima conversa, ela cruzava e descruzava as pernas sem parar e isso foi me atiçando. Cruzei minhas pernas quando senti a ereção chegar. Fiquei sem graça e mantive as pernas cruzadas. Seus seios imploravam por uma bata, algo mais espaçoso. Naquela blusinha não respiravam. Me impressionei com as pernas fortes e torneadas da moça e comecei a sentir um calor danado. Tentei apreciar o apartamento, a decoração de bom-gosto, a televisão maravilhosa de LCD. Uma bandeirinha do São Paulo Futebol Clube. Nada tirava minha atenção dela. Eu queria levantar, mas meu pau estava duro como uma pedreira inteira, prestes a desmoronar. Ela continuava firme à minha frente. Quando ela olhos para um lado, derrubei um pouco de caipirinha no chão. Ela teria que ir para a cozinha buscar um pano.


- O pano fica na pia da área de serviço. Ele está torcido – me instruiu apontando para a cozinha.
- Pega lá, meu bem. Não sei nem onde fica a área – tentei negociar.
- Deixa de ser bobo, essa apartamento é um ovo. Você sabe onde fica a área de serviço.

Bufei. Blasfemei em pensamento. Ela começou a dar risadas. A desgraçada já havia percebido. Dei um profundo suspiro e pensei em minha avó, gorda, cheia de varizes, com um biquíni extremamente pequeno, dançando algum hit da Bahia. Não funcionou como de costume. Talvez eu não tenha me concentrado direito na cena bizarra. Pensei em todas as ereções que ocorriam naquele momento, em todo o mundo. Do quarto de motel mais vagabundo ao palácio mais suntuoso. A minha ereção era a mais vulgar, a mais desnecessária, a mais estúpida. Levantei de lado e virei rapidamente as costas para ela. Fiquei de frente com a parede e com o sofá. Enfim um quadro pra me salvar.


- Belo quadro, Gisele – o quadro era horrível. Parecia que o pintor havia dado o cu e logo em seguida pintado aquele lixo.

- Meu tio. Um grande artista. Me deu quando eu era moleque.

“Moleque?!”, pensei erguendo as sobrancelhas. Lembrei que tinha um travesti naquela história. Ele não estava ausente! Gisele era na verdade um Antônio, ou José ou Valdir! E eu impressionado com todo aquele corpo anormal, e nem percebi que a amiga da Claudia era um travesti asqueroso. Malditos transexuais! Senti vergonha de mim mesmo, e quando percebi, meu pau estava novamente em stand-by. Virei com todo orgulho para Gisele.

- Vou até lá pegar o pano e limpar essa porcalhada que fiz! – anunciei alegre e satisfeito com minha condição sexual restabelecida.

Caminhei até a cozinha, meio enojado, meio aliviado e alcancei o pano de chão. Quando virei as costas, Gisele estava à minha frente. Com um semblante tendencioso, olhou diretamente nos meus olhos e piscou um olho. Eu girei o pano transformando-o em um chicote improvisado, como fazem os atletas em vestiários, e me coloquei em posição de ataque. Se ela desse um passo em falso, eu a chicotearia com o pano enrolado. Mirei aquela reserva de silicone que ficava em seu busto e estava decidido a deformá-los à base de chicotadas.

- Vai com calma, querido... Você sentiu tesão, não? Por que não me toca? Vai ver o que é uma mulher durinha!
- Pela cruz de Cristo! Você não é mulher, porra! Se tentar algo, vai levar uma chicotada!
- Por que o medo? Só porque eu tenho isso? – Gisele abriu a braguilha da calça e libertou uma enguia gigantesca. Pelos meus cálculos, tinha um metro de comprimento. Mole.
- Guarda essa merda, seu veado! Guarda essa merda!
- Ou então? Vai chupar essa merda? – enquanto falava, manipulava aquele pedaço de cipó gigante.
- Cara, fica na sua com essa merda. É sério, eu to de boa aqui na minha. Essa cozinha é muito pequena pra nós dois! É o último aviso, ou você recua ou pico esse pano na sua rola. Você não vai ter ereção por anos!
- Vem aqui, vem! – e partiu pra cima de mim com aquela lança medieval em riste.

Se tocasse em mim, me furaria a barriga. Lancei o pano com violência, que ricocheteou na virilha dela. Ela deu um grito e virou seu membro pra cima de mim. Eu me esquivei batendo a cabeça num dos armários da cozinha. A manjuba dela tocou no meu braço. Eu gritei e ela gritava também. Peguei uma vassoura que estava parada num vão entre a parede e a geladeira e a ameacei. Ela recuou um pouco e segurou o seu pau. Eu gritei pela Claudia, que prontamente saiu do quarto, correndo e rindo. Eu já estava no corredor do prédio.

- Do quê você está rindo, por Deus?
- Hahaha! Nada, querido. Nada.
- Tem caroço nesse angu! Claudia, me explique essa porra!
- Calma, Vandinho. Era só uma brincadeira! Queria ver qual era sua reação se ela desse em cima de você! Quando ela foi ao quarto enquanto eu secava meu cabelo, propus a brincadeira. Queria ver qual seria a sua reação caso você levasse uma cantada dela... – Claudia explicava enquanto se aproximava lentamente.
- Cantada, coração? Cantada?! Ela colocou aquela jibóia pra fora! Isso não é cantada, pelo amor de Deus! Foi quase um estupro!
- Hahahaha! – Gisele gargalhava com o pau na mão.
- Pela alma de São José, do que você está rindo, seu veado? E que merda é essa? Guarda isso aí! Nem sei como cabe numa calça tão apertada!
- Calma, Vandinho. Já terminei de me arrumar. Leve essas malas pra baixo, por favor – ela me pedia, linda como nunca esteve antes.

Peguei as malas sem lembrar que não havia elevador no prédio. Estava encantado com a sua beleza e ao mesmo intrigado com o traveco que permanecia balançando aquela terceira perna, sem nenhum pudor ou respeito. Filho da puta. Uma maleta estava debaixo do meu braço direito e as outras duas, em cada mão. Fui com uma certa dificuldade me equilibrando nos degraus da escada.  
(...)