De repente Maulin se apegou à luz. Não gritem "glória a Deus", cristãos. Nem exultem, muçulmanos, com seus escandalosos "Alá é grande", e muito menos vocês budistas, com sua empolgação recatada. Não se trata de iluminação religiosa. Maulin fixou sua face na direção daquela lâmpada de 60wtz que brilhava discretamente acima dos sofás. Agnes, amiga de tempos, iniciou seu repertório de censuras:
- Céus Maulin, você vai torcer o pescoço se não parar com isso!
Silêncio. Sem falar, sem ouvir, sem tocar, sem cheirar. Apenas olhar. O incrível é que ele não apenas olhava, mas se rendia a um estranho ritual silencioso, intimista e isolado. Totalmente boquiaberto. Ele em sua 'brilhante' catarse, enquanto ela se afogava em extática raiva. Acostumada a ter atenção. De repente essa maldita luz, essa eletricidade incandescente e nada dele acordar da hipnose.
- Thomas Edison, eu te esfaquearia por ter inventado essa porra! Eu estupraria sua alma, seu desgraçado!
Agnes não se continha e caminhava pela sala, com a cabeça girando, puxando metade dos cabelos pra cima e coçando freneticamente a outra metade. Maulin permanecia com os pés firmes, postura vacilante, e algumas gotas de suor desfilavam por sua fronte. Agnes se aproximou com um salto desajeitado e com a boca quase engolindo a orelha de abano do desligado amigo. Com dedo em riste, vociferou:
- Diabos! Você está aí há pelo menos 40 minutos! Vamos lá bonitão, quero ver se você é tão determinado!
Saiu correndo para o quarto e trouxe um livro de Fante. Abriu-o na metade e com rosto desfigurado pela raiva e provocação ameaçou rasgar o livro:
- Vamos lá sua mariposa filha da puta! É o Pergunte ao Pó! Vou rasgar seu livro preferido! Eu vou rasgar! Eu vou rasgar!
Maulin continuava inerte em sua misteriosa atração. Agnes tentou rasgar o livro pela metade, mas sua força limitada lhe convenceu que o livro devia ser rasgado minuciosamente. Página por página, a epopéia de Arturo Bandini ganhava o chão. Maulin permaneceu sem nenhum movimento. Apenas reconheceu auditivamente o som do papel rasgando. Em sua mente, ele se inquietou um pouco. Mas não podia se mexer. A audição:
- Que porra de papel rasgando é esse? - pensava Maulin
Enquanto isso, Agnes injuriada pela omissão de sentimentos por parte de seu amigo, correu atrás da caixa de charutos Montecristo, número 2, que Maulin havia comprado para acompanhá-lo em seus momentos de solidão na sacada do apartamento, junto à noite reveladora de mistérios.
- Cadê, cadê? Agora ele me paga, maldito ignora... achei!
Agnes voltava saltitante, triunfante. Agora ele despertaria dessa farsa idiota.
- Hey cabrón, le gusta fumar puros? E se eu colocar esse porcaria aqui dentro?
E começou uma cena no mínimo curiosa: esfregava diversos charutos em sua vagina, mas esfregava com afinco, quase uma "masturbação cubana". Ela cortava os charutos e os acendia, baforava um pouco e os arremessava contra a janela e contra as paredes. Uma camada azulada de fumaça se instalava abaixo do teto, enquanto Agnes era toda euforia, com dois charutos na boca, uns cinco na calcinha e outros dois esmagados pelos seus pés tamanho 37. Ela era uma mulher alta, cabelos ondulados e castanhos, assim como eram seus olhos. 37 anos, assim como era o tamanho do pé. A cara era de um desgaste descomunal, graças a anos de frustrações e bebedeiras como escapatória. Havia largado as drogas, mas todas as substâncias químicas haviam comprometido seu modo de pensar e reagir a certos imprevistos da vida. Ela estava rumando para a plataforma da loucura e Maulin era o único ser que se locomovia na Terra que podia suportá-la, dando moradia à ela.
- Satisfeito? Montecristos are burning! Tcharararan!
Dançava indiferente, inconscientemente ao som de sua adaptação para "London's Burning" do Clash.
As narinas de Maulin detectaram o doce aroma do fumo cubano sendo consumido sem dó, sem limites. O olfato:
- Que porra de charuto é esse queimando? - pensava Maulin
Ele continuava sem se mexer, incapaz, confuso por não saber, por não poder olhar o que estava acontecendo. Apenas luz, aquela deliciosa e atraente luz.
Agnes não se dava por vencida. Cachoeiras de suor lhe desciam pelos cabelos, inundando sua camisola rosada de cetim adornada com pequenas flores opacas e coloridas. Sentou numa cadeira, tentou se controlar, mas seus pés mexiam sem parar, e isso a intrigou ainda mais. Ao invés de pensar em se controlar, em entender o motivo da misteriosa atração, Agnes pensava em algo valioso que ela pudesse destruir, algo que o tirasse daquela situação bizarra.
Inesperadamente, Agnes pulou excitada, correndo pelo corredor que levava aos quartos. Enquanto corria a pequena distância, deixava os dedos das mãos riscarem as paredes. Pulou na cama e a atravessou chegando ao outro lado do quarto, onde no canto, perto do banheiro, uma pequena adega de vinhos permanecia a guardiã do sabor perfeito e original. Adega linda, climatizada, temperatura ideal. Deus salve a tecnologia! Mas Agnes não se importava com isso. Bebia vinho barato, com sabor parecido com o do vinagre. Bebida maldita que nos transporta à pior das ressacas. Mas Agnes não queria classe. Queria beber. E nunca deu bola para a pequena adega. Maulin sempre se gabava de ter comprado um vinho francês chamado Romanée- Conti, safra de 1992 e que custou a bagatela de mil e duzentos reais.
- Maulin, Maulin, essa merda de vinho vai ser um ótimo acompanhamento pra minha refeição!
Saiu correndo como uma bruxa malévola, enchendo a casa com sua gargalhada sarcástica. Em segundos estava na cozinha. Abriu um dos armários e alcançou um miojo de frango caipira. Acendeu uma das bocas do fogão e colocou nela uma panela com água. Enquanto a água fervia, Agnes dava pequenas risadas, coçando a todo momento sua cabeça. A água demorava pra ferver, então ela decidiu agilizar o "jantar". Procurou nas gavetas um saca-rolhas e o encontrou na segunda gaveta. Deixou o pequeno instrumento ao lado da garrafa de vinho. Foi até a porta da cozinha, olhou de relance e viu Maulin, ainda parado, como mosquitinhos na lâmpada em dia de calor. A água começou a exibir as primeiras bolhas e Agnes enfurecida pela visão que acabara de ter, lançou a massa crua na água. Quatro minutos depois e a refeição estava pronta. Ligou o som da sala e o disco que estava no deck era o novo do Wilco, Sky Blue Sky. Apertou o play e viu que a função "random" estava ativada. A primeira música a tocar foi "Hate it Here". Voltou a cozinha e pegou o prato de miojo e a garrafa de vinho. Minuciosamente inseriu a ponta saca-rolhas na rolha da garrafa e lentamente girou a chave. Prendeu a garrafa entre suas coxas flácidas e puxou com força o instrumento. Não abria. Na quarta tentativa, ouviu o barulho de vácuo sair e festejou com uma talagada generosa. Ela começou a rir, enquanto olhava Maulin parado ao lado do sofá, boquiaberto e paralisado. Seu rosto - pensou Agnes - é tão lindo, jovial, com uma camada de barba que dá uma certa masculinidade. Mas é um idiota - continuou Agnes - parado, olhando para a lâmpada. Ela chupava os fios de macarrão, fazendo um ruído terrível, e o caldo respingava na garrafa, na mesa, no chão.
- Meu bem, que vinho maravilhoso! E eu só bebendo São Tomé! Preciso de um trabalho, pra comprar coisas desse tipo!
Bebia em meio à gargalhadas, que a faziam engasgar. Logo se recuperava com tosses e continuava a cena, cheia de luxúria no olhar. A garrafa chegava à metade e no som, o Wilco continuava a tocar, agora com a música 'Shake it Off'. O álcool ludibriava seus sentidos e a voz e guitarra de Jeff Tweedy permeavam sua mente. Logo se pôs em pé e iniciou uma dança sensual, em volta do corpo estático de Maulin. Imitava uma guitarra com a garrafa quase vazia. Se emaranhava nos braços do amigo, esperando um afago, um carinho. Mas era em vão. Ela estava completamente bêbada, uma deplorável figura coberta de suor. Buscou algumas velas e as acendeu em volta dos pés do pobre coitado.
- Agora você parece uma imagem de macumba! Hahahaha! Tem até vela em volta, Má! Não é demais?
Dançava de forma delirante pela sala, gritando incontáveis "saravás". E dava mais risadas.
- Querida estátua, brindarei sua doce imagem com o último gole. Ainda bem que você está com esse bocão aberto! Hahahahaha! Se não eu ía abrir na base da porrada! Ouviu? Na base da por-ra-daaa! Hahahahaha!
Caiu no chão ao tropeçar em si mesma. Levantou rindo e amaldiçoando as próprias pernas. Alcançou a garrafa e despejou o doce e valioso líquido na boca de Maulin. Ele não apresentava reação aparente. Mas um comichão em sua bochecha o fez balançar o pé, que não foi percebido pela sua ébria amiga. O paladar:
- Que porra de vinho é esse na minha boca? - pensava Maulin
Agnes se levantou aos trancos e barrancos, com passos vacilantes. Ergueu os punhos para o céu e soltou algumas blasfêmias. Colocou a mão direita nos olhos enquanto a mão esquerda repousava no quadril. Nada parecia funcionar. Maulin era irredutível em sua atração mágica. O Wilco continuava tocando no som, na bucólica 'You Are my Face'. Ficou desanimada com os arranjos melancólicos e desligou o aparelho, puxando o fio da tomada. Do nada, a embriagada mulher soluçou, estalou os dedos e se agitou:
- Aha! Música! Os discos dele! - pensou Agnes com expressão de euforia, com olhos acesos e inquietos.
Todos aqueles vinis empoeirados, guardados naquele baú de palha envernizada, lacrados por um pequeno cadeado. Claro que se alguém desse uma martelada naquele cadeadinho, poderia violar facilmente o baú valioso. O cadeado era um emblema, que passava a idéia de que ali dentro do baú, havia algo de valor inestimável. Agnes correu até a cozinha, batendo o calcanhar violentamente contra o chão (fato que rendia diversas reclamações dos vizinhos do andar abaixo). Voltou novamente triunfante, com um martelo de bater bife. Mas nas mãos de Agnes, o simples martelo se transformou numa espécie de Excalibur. A espada que iria libertar todos! Se hesitar, voltou ao quarto, à base do calcanhar. Com olhar maligno 'trucidou' o pobre cadeado, e ele não ofereceu muita resistência, caindo na terceira martelada. Abriu o baú ao som de sua risadinha endiabrada. Vislumbrou discos realmente empoeirados, poeira que se misturava com gotas de suor que caíam das maçãs do rosto de Agnes.
- Oh! Velvet Underground! Beatles! Alan Parson's Project? Não sabia que ele gostava dessa joça! Hahaha! Agora ele acorda!
Saiu correndo com dezenas de vinis nas mãos, saltitando como sempre, com seu calcanhar pesado. Despejou os vinis na mesa de jantar, feita em madeira maciça e os enfileirou desordenadamente ao longo da extensão da mesa.
- Quem eu destruo primeiro, amorzinho? Sonic Youth!
Crash! Menos um 'Daydream Nation' no mundo.
- Próximo! Vamos ver, vamor ver... Beach Boys!
Crash! Menos um 'Pet Sounds' no mundo.
- Agora Miles Davis! Tchau neguinho!
Crash! Menos um 'Kind of Blue' no mundo.
À medida que os vinis era estilhaçados sob marteladas, alguns destroços se chocavam com a pele de Maulin, que permanecia parado, fitando a lâmpada. E Agnes era implacável em seu ofício tenebroso, dando ao martelo algo mais nobre que bifes para bater. Os estilhaços voavam sem parar contra o pescoço de Maulin até que uma ponta afiada espetou sua bochecha. O êxtase de Agnes continuava enquanto dúzias de discos era covardemente estouradas. O tato:
- Que porra de fagulhas são essas me cortando? - pensava Maulin
Após quebrar os 184 discos da coleção do amigo, Agnes deitou em meio às pontas de vinil e começou a rolar aos prantos, enquanto o corpo era dilacerado:
- Meus Deus do céu! Olha pra mim, desgraçado! Me dá atenção, só um pouco! Preciso te contar algo! Estou apaixonada por você, Má! Pare de olhar pra essa luz desgraçada!
De repente Maulin sentiu seus nervos pinicarem, em todo o corpo. Começou a tremer, a pular, mas curiosamente mantinha o rosto voltado para a lâmpada. Ele começou a correr em volta da mesa, tremendo, saltitando, como se algo quisesse ser expulso de seu corpo. Agnes observava incrédula os movimentos de seu amigo. Levantou bruscamente e correu atrás de uma vassoura. Encontrou um rodo. Segurou firme no instrumento de limpeza e desferiu golpes contra a nuca de Maulin. No oitavo golpe, Maulin gritou:
- Apaga a luz, biscate do caralho!
Agnes alcançou o interruptor e fez o que deveria ter feito desde o início. A luz se apagou e Maulin piscou. Caiu rapidamente no sofá e levantou na mesma velocidade, segurou o rodo com firmeza e em seguida o lançou longe. Chutou as velas que estavam acesas ao seu redor. Segurou o pescoço da amiga com força e levantou a outra mão para acertá-la na boca. Nesse pequeno espaço de tempo, Maulin observou a cena "lúgubre". A luz da lua atravessava a porta da sacada da sala e exibia vultos de uma batalha. Ele acendeu o abajour e caiu de joelhos: charutos partidos pela metade, a garrafa de Romanée-Conti caída com macarrão por cima. Pontas de vinil por todas as partes (algumas rasgaram seu joelho ao cair no chão). A mão dele continuava firme, presa ao pescoço de Agnes. Ela por sua vez começou a se contorcer e, num relance, vomitou abundantemente no peito de Maulin. Imediatamente ele se jogou para trás, encostando suas costas no chão e se cortando ainda mais.
Sua visão ainda não estava boa e começou a esfregar os olhos. Arrastou-se até o banheiro, molhou o rosto. Parecia que estava em plena ressaca. Deitou em sua cama, que estava intacta e desejou a morte. Depois de três horas descansando a vista, acendeu a luz e notou que a pequena adega estava aberta. Fechou os olhos ao notar que o Romanée-Conti estava ausente. Ensaiou um choro, mas nada saía. Olhou ao lado o baú violado, com capas de discos pelo chão, invadindo o corredor. Não podia ser possível. Foi cambaleando, morrendo de dor de cabeça até a sala e viu Agnes deitada, rendida ao sono. A sala estava semi-destruída. Nenhum aparelho de som, televisão ou de DVD havia sido destruído. O computador estava intacto também. Mas ele não entendia nada, o que ocasionou tudo aquilo? Maulin só lembrava de muita luz. Clarões e mais clarões. Ele fechava os olhos e ainda uma bola de luz se exibia. Foi para a sacada com um pedaço de charuto que achou junto ao seu pé e o acendeu. Sentou em uma cadeira e cruzou as pernas. Alguns carros passavam, a lua estava prateada e desafiadora no céu. Baforou algumas vezes enquanto uma brisa brincava com seus cabelos. Queria dormir mas não conseguia, até que o dia raiou e nem um bocejo surgia em sua boca.
- Céus, o que aconteceu? Vou ligar pro médico.
Eram oito e meia da manhã e Maulin ligou para o doutor Schillo.
- Alô, por gentileza, o doutor Schillo?
- Doutor Schillo acabou de chegar, senhor. Quem gostaria? - respondeu a recepcionista com voz fanha e sonolenta
- Diga que é Maulin.
- Um momento por gentileza.
A nona sinfonia de Beethoven tocava em tons monofônicos.
- Dr. Schillo, pois não? - atendeu o doutor com voz grave e desinteressada
- Fala esquilo! Como andam as coisas lá na árvore? Hahahaha!
- Maulin, você sabe que eu detesto essa piada de esquilo! Vai marcar algum exame?
- Não, doutor. Quero saber se o senhor pode me explicar o fato de eu ter ficado horas hipnotizado, olhando pra uma lâmpada.
- Hã?
- Isso mesmo, como uma mariposa. Fiquei por horas fixado numa lâmpada, inconsciente! E a droga da Agnes destruiu tudo que eu tinha de valor, tentando me despertar!
- Como assim? Ficou fixo na lâmpada?
- É, parado, em pé, por horas!
- Olha Maulin, você "tá" inventando estória...
- Doutor, se quiser, passe aqui no meu apartamento e veja a merda que aconteceu!
- Tudo bem, Maulin, no fim do dia eu passo aí.
- Obrigado, doutor.
O dia passou lentamente e Agnes permanecia em meio ao vômito, deitada. Maulin não sabia o que fazer até que no começo da tarde cochilou, mas acordou a tempo de ouvir a campainha.
- Quem é? - perguntou Maulin, se desviando de cacos de vinil.
- Sou eu Maulin, doutor Schillo.
Maulin deu uma risada, ao ouvir o nome dele e abriu a porta. O doutor Schillo cumprimentou o paciente e entrou com cuidado. Estranhou o cheiro e a visão.
- Santo Deus! O que aconteceu aqui? - perguntou o doutor, com a mão no nariz.
- Eu não sei! Quando saí do meu "êxtase", a Agnes estava me batendo com um rodo na nuca. E eu vislumbrando um clarão que me atraía. Pedi pra ela apagar a lâmpada. Quando ela o fez, cai no sofá e fui pra cima dela. Mas ela vomitou em cima de mim e caiu no chão.
- Santo Cristo...
- Agora essa vadia destruidora fica aí dormindo na bebedeira dela enquanto eu fico aqui calculando os estragos que ela fez! Mas me diga: o que é isso? Que atração é essa?
- Olha Maulin, eu nunca presenciei um caso semelhante, mas existem casos na Europa de pessoas que passaram pelo que você passou.
- Sei, e o que seria isso? - perguntou Maulin intrigado com os discos no chão.
- Deixe-me pegar um livro aqui - falou o doutor enquanto se curvava em direção à sua mala.
O livro dizia:
"A atração é atribuída a uma desordem no sistema de localização do inseto, que o induz a esbarrar ou a circular em volta de uma fonte luminosa".
- Hã? Eu sou um inseto?
- Hum... não. Mas você teve uma desordem no sistema de localização. Você simplesmente perdeu noção do tempo-espaço e se apegou a uma lâmpada. A medicina não explica isso. Não há estudos sobre esse caso...
- Caramba, mas eu não lembro de ter ficado desorientado - interrompeu Maulin com voz irônica
- Maulin, não estou lhe chamando de louco, mas é o que acontece com os insetos, oras! Ou você já viu vacas rondarem uma lâmpada? - completou o doutor com tom de deboche.
-Tá, tá. E o que fazer?
- Bem, primeiro você deveria limpar essa pocilga, acordar sua amiga branquela...
- Como assim? Branquela? - novamente Maulin interrompeu
- Oras, olha como ela é branquinha!
- Meu Deus Eterno! - gritou Maulin com as duas mãos tapando a boca aberta.
- Ela não é pálida desse jeito?
Maulin correu até Agnes e deu um tapa na cara dela, a fim de acordá-la. Mas foi em vão. A boca de sua amiga abriu e ejetou altas doses de vômito. O cheiro era horrível. O doutor Schillo correu em direção ao corpo de Agnes e mediu o pulso. Abaixou a cabeça e disse em tom fúnebre:
- Ela está morta.
Maulin correu atrás de uma panela, encheu de água e a levou para sala, jogando o conteúdo da panela na face alva de Agnes.
- Acorda! Acorda!
- É em vão, Maulin. Ela se foi.
- Não, isso não pode acontecer. Não está acontecendo! - Maulin rodopiava pela sala exaltado com a mão nos cabelos
- Ela morreu de asfixia! Com o próprio vômito! - gritou o doutor, com a mão ainda em seu pulso.
Maulin sentou no chão e chorou, atônito, com a vista fixa num pedaço de vinil. O doutor chamou a ambulância e tentou consolá-lo.
- Poxa, eu nem sei o que dizer.
- Só me diga uma coisa: o que aconteceu comigo?
- Eu não sei! Não faço a mínima idéia! Preciso estudar isso, mas é difícil, não é da minha área. O fato está mais ligado à neurologia. Mas vou agilizar uma equipe, vai ser interessante descobrir isso.
- Céus, preciso de um trago - disse Maulin, se dirigindo à sacada.
Os homens da ambulância chegaram rapidamente e retiraram o corpo de Agnes. Maulin chorava copiosamente ao observar sua amiga ir embora daquela forma.
- Por que ela não apagou a luz?! Por quê?! Problemática desgraçada! Burra, estúpida! Era só ter apagado a luz!
Correu pelas ruas até um bar. Pediu um whisky ao atendente. Despejou uma nota de cinco reais no balcão e bebeu a dose em um gole. Pediu outra dose e a bebeu da mesma forma. Na oitava dose, com a cabeça girando e o corpo em frangalhos interagiu com um velho, mosca de bar:
- Não fique assim, filho. O que aconteceu? - perguntou o velho
- Eu me fixei à luz e graças a isso, minha amiga morreu.
- Como? Sua amiga morreu porque você se apegou à luz?
- Sim, enquanto eu estava firme na luz, ela encheu a cara e morreu.
- Mas porque você não a levou pra luz enquanto havia tempo, rapaz?
- Esquece. Ela morreu com classe. O porre fatal mais caro que conheci.
- Malditos jovens confusos. Pros diabos! - disse o velho mudando de cadeira.
Maulin tomou mais 7 doses e não suportou a força das bebidas e desmaiou, caindo aos pés de uma mesa de bêbados. Alguns olharam e não se manifestaram. Maulin permaneceu ali, desmaiado na sujeira, indiferente aos olhares das pessoas. De repente, ele vomitou.
domingo, dezembro 30, 2007
sábado, dezembro 22, 2007
Nota mental
"Eu sou curioso por demais, questionável por demais, animado por demais para poder aceitar uma resposta esbofeteada. Deus é uma resposta esbofeteada e grosseira, uma indelicadeza contra nós os pensadores - apenas uma proibição grosseira e esbofeteada contra nós: vós não deveis pensar!"
Friedrich Nietzsche - Ecce Homo
Posso argumentar o dia inteiro com você sobre isso. Quer?
Friedrich Nietzsche - Ecce Homo
Posso argumentar o dia inteiro com você sobre isso. Quer?
Espiritus Natalinus (é o) Caralhus (e meu) Ovus
"Desejo que seus sonhos se realizem no ano de 2008"
Geralmente essa frase vem junto a um abraço efusivo e um chacoalhar de mão no seu ante-braço. Mas com os diabos: a não ser que eu ganhe na Mega Sena ou que eu roube um banco, meus sonhos não vão se realizar em um ano apenas. Ou essas pessoas têm a prepotência de achar que sabem dos meus planos, se estou à beira de ficar rico? Me deixem, raposas malditas!
Parasitas, falsos cristãos! Só são seguidores do Cristo no fim do ano? Com seus alentos de araque, com seu natal fajuto, com a reunião pífia de familiares que nunca se dão ao trabalho de se ver durante o ano e hipócritamente prezam pela tradição de reunir a família.
Deus, salve o divórcio! Que o menino Jesus com sua rola pequena e singela, salve as separações e anulações! E que os anjos cantem: ADULTÉRIO NAS ALTURAS! DINHEIRO NA TERRA AOS HOMENS DE MÁ VONTADE!
E o espírito de natal silva como uma sucuri, pelas sarjetas e ruas, rumo aos boeiros e esgotos, assim como os reis magos rumavam para Belém, afim de presentear o seu messias.
Apóstolos de Cristo: não cansaram de ler fábulas no Velho Testamento? Tinham que criar as suas também? Sorte de vocês que a tradição impera entre a ignorância e azar o nosso porque Nietzsche ficou lélé da cuca.
Quem nos salvará da manjedoura? Dos peixes e os pães multiplicados? Do mar congelado e trafegável? Quem nos salvará dos demônios de Judas Iscariotes? Ou quem nos salvará da cruz e seus três dias de decomposição?
Cristo ascendeu ao céu, palmas! O cristianismo ascendeu ao Vaticano, palmas! O 25 de dezembro pagão ascendeu à nossa cultura, palmas! E você provavelmente descerá ao inferno, palmas, em pé!
Espirrei sem querer e foi catarro pra todos os lados. Alguém me empresta o Santo Sudário pra eu limpar aqui?
Geralmente essa frase vem junto a um abraço efusivo e um chacoalhar de mão no seu ante-braço. Mas com os diabos: a não ser que eu ganhe na Mega Sena ou que eu roube um banco, meus sonhos não vão se realizar em um ano apenas. Ou essas pessoas têm a prepotência de achar que sabem dos meus planos, se estou à beira de ficar rico? Me deixem, raposas malditas!
Parasitas, falsos cristãos! Só são seguidores do Cristo no fim do ano? Com seus alentos de araque, com seu natal fajuto, com a reunião pífia de familiares que nunca se dão ao trabalho de se ver durante o ano e hipócritamente prezam pela tradição de reunir a família.
Deus, salve o divórcio! Que o menino Jesus com sua rola pequena e singela, salve as separações e anulações! E que os anjos cantem: ADULTÉRIO NAS ALTURAS! DINHEIRO NA TERRA AOS HOMENS DE MÁ VONTADE!
E o espírito de natal silva como uma sucuri, pelas sarjetas e ruas, rumo aos boeiros e esgotos, assim como os reis magos rumavam para Belém, afim de presentear o seu messias.
Apóstolos de Cristo: não cansaram de ler fábulas no Velho Testamento? Tinham que criar as suas também? Sorte de vocês que a tradição impera entre a ignorância e azar o nosso porque Nietzsche ficou lélé da cuca.
Quem nos salvará da manjedoura? Dos peixes e os pães multiplicados? Do mar congelado e trafegável? Quem nos salvará dos demônios de Judas Iscariotes? Ou quem nos salvará da cruz e seus três dias de decomposição?
Cristo ascendeu ao céu, palmas! O cristianismo ascendeu ao Vaticano, palmas! O 25 de dezembro pagão ascendeu à nossa cultura, palmas! E você provavelmente descerá ao inferno, palmas, em pé!
Espirrei sem querer e foi catarro pra todos os lados. Alguém me empresta o Santo Sudário pra eu limpar aqui?
quinta-feira, dezembro 20, 2007
A Dança da Ambição
O universo dança um maldito balé ao som da oitava sinfonia de Mahler. Suavemente se desenrola, abrindo sua maldita sacola de surpresas e lançando ao ar brilhantes diamantes que aumentam nossa ambição, para nos fazer podres hienas, sorridentes, que não sabem do que rir. Apenas mostramos nossos dentes, em sinal de desdém em relação a vida. A neurose espontânea e constante nos embaraça ao nos entrelaçar junto a vida, num nó apertado, como de marinheiro que navega por mares distantes, não distantes da família, mas de seu vício: as ruas. Ruas essas que conduzem largos passos de ninguém. O ninguém que pode ser você, batendo pernas em meio a uma piscina de lama ambiciosa. Aquela ambição brilhante como diamante. Será que tem valor? Seria um zircônio?
Nós não podemos, ó Deus, nós não podemos!
Abre seu peito, incrível mestre platinado. Abre seus olhos, mentor incandescente. Os caminhos não são o que você parece, pupílo, pupíla dos meu olhos. Saiam vapores da madrugada, ganhem suas vias, aqueçam os vermes que se aglutinam e se amontoam em meio à falsa, à zircônica calma de alguns minutos onde ninguém ambiciona. Onde o sono cobre por instantes o vigor do querer.
Te quero, te desejo. Você é minha ambição. O infinito não é mais sem fim, graças a você.
Violinos, dilacerem minhas veias coronárias, obstruam o oxigênio. E o balé que agora meu sangue dança, ainda ao som da oitava sinfonia de Mahler, se torna cada vez mais dramático enquanto a previsão de minha morte se desenha em papéis opacos e obscuros. Ah vida! Como sinto sua falta aqui na terra de ninguém. Aqui na terra de você. Como sentirei falta de vocês, meu amigos.
Até terminar, seremos assim. Não pare a luta, carneiro de ouro. Muitos ainda hão de se prostar diante de sua imagem de distração. Nem vinte mandamentos segurariam um povo tão ambicioso. A ambição de trair, a ambição de conquistar terras de um dono que não conhecem. Nem trinta mandamentos, Deus, nem trinta. E Canaã está distante, EU SOU!
Somos amaldiçoados por um mal que não sabemos de onde veio.
Lúcifer, de onde você surrupiou o mal?
Nós não podemos, ó Deus, nós não podemos!
Abre seu peito, incrível mestre platinado. Abre seus olhos, mentor incandescente. Os caminhos não são o que você parece, pupílo, pupíla dos meu olhos. Saiam vapores da madrugada, ganhem suas vias, aqueçam os vermes que se aglutinam e se amontoam em meio à falsa, à zircônica calma de alguns minutos onde ninguém ambiciona. Onde o sono cobre por instantes o vigor do querer.
Te quero, te desejo. Você é minha ambição. O infinito não é mais sem fim, graças a você.
Violinos, dilacerem minhas veias coronárias, obstruam o oxigênio. E o balé que agora meu sangue dança, ainda ao som da oitava sinfonia de Mahler, se torna cada vez mais dramático enquanto a previsão de minha morte se desenha em papéis opacos e obscuros. Ah vida! Como sinto sua falta aqui na terra de ninguém. Aqui na terra de você. Como sentirei falta de vocês, meu amigos.
Até terminar, seremos assim. Não pare a luta, carneiro de ouro. Muitos ainda hão de se prostar diante de sua imagem de distração. Nem vinte mandamentos segurariam um povo tão ambicioso. A ambição de trair, a ambição de conquistar terras de um dono que não conhecem. Nem trinta mandamentos, Deus, nem trinta. E Canaã está distante, EU SOU!
Somos amaldiçoados por um mal que não sabemos de onde veio.
Lúcifer, de onde você surrupiou o mal?
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